domingo, 12 de fevereiro de 2012
Coluna do Miguel Arcanjo nº 180
Você já foi à Bahia, nega? Então, não vá!
Por Miguel Arcanjo Prado*
Se Jorge Amado e Dorival Caymmi ainda estivessem vivos, provavelmente morreriam de desgosto ao ver o que a Bahia se tornou. E não estou falando da comentada greve da PM baiana. Antes o problema fosse um grupo de policiais em motim.
Em 2000, ano anterior ao da morte do escritor, Salvador registrou 315 homicídios, o que já deveria ser um absurdo se comparado aos tempos dos Capitães da Areia. Mas tudo ainda poderia piorar. E muito. Uma década depois, 2010 fechou a conta com 1.484 assassinatos na capital baiana. Um crescimento para o governador Jaques Wagner morrer de vergonha.
Ainda menino, lendo os livros de Jorge e escutando as músicas de Caymmi, aprendi que a Bahia é terra de gente cordial e de paz. E pude ver isso na prática. Desde os tempos de férias com minha avó Oneida no Grande Hotel da Barra, nos anos 80, convivi de perto com o povo baiano.
Adorava, menino, passear com na companhia materna pelo Mercado Modelo, andar com minhas tias pelas ruas do Pelô, ainda caindo aos pedaços, e comer batata frita com queijo no Terreiro de Jesus. Mas o caos estava por vir.
E ele veio nos últimos 20 anos, com o crescimento desordenado e o acirramento das desigualdades sociais e raciais, que colocam brancos e ricos de um lado e negros e pobres de outro. Triste cenário baiano atual.
Volto a Jorge Amado, que, na boca de seu personagem mulato Pedro Archanjo, no livro Tenda dos Milagres, defendia a miscigenação como única possibilidade de salvar a Bahia da segregação racial.
Passei os últimos três Carnavais em Salvador. E a lembrança mais forte que ficou na minha mente era caminhar pelas ruas, povoada de gente pobre e negra, vendendo cervejas, churrasquinhos e ou qualquer coisa que possibilitasse defender um dinheirinho em cima dos turistas, e, ao entrar nos camarotes das estrelas baianas, ver, de repente, todo mundo ficar branco – a não ser quem servia e eu.
Ainda criança, eu me lembro de frequentar os ensaios do Olodum, no Pelourinho, e cantar, a plenos pulmões, letras políticas do grupo, como Povo Comum Pensar e Protesto Olodum, que iam fundo na cultura e nos problemas baianos. No último Carnaval, tive vergonha ao ver a mesma Bahia, pobre, violentada e sem dentes, do lado de fora da corda dos trios, fantasiada de Superman e Mulher Maravilha e se autodenominando “Salvador City”. Cômico, se não fosse tão triste.
Pobre Jorge. Pobre Caymmi. Pobre Bahia.
*Miguel Arcanjo Prado é jornalista, mineiro de alma baiana, mas está feliz por não passar o próximo Carnaval em Salvador.
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Um Papai Noel chamado Telé Cardim movimenta o jornalismo da Record
domingo, 6 de novembro de 2011
Coluna do Miguel Arcanjo nº 179
Na confusão da USP, todos estão errados
Por Miguel Arcanjo Prado*
Três estudantes fumam maconha no campus da USP. Policias da patrulha incorporam o Capitão Nascimento. Bora todo mundo para a delegacia. Está gerada a grande confusão.
A polêmica na Universidade de São Paulo que toma os noticiários não é tão simples quanto se pinta. De um lado, estudantes são manipulados por partidos que nem sabem o que querem. Do outro, a direita careta aproveita a situação para demonizar o pensamento político progressista.
Está tudo errado, é a única conclusão à qual posso chegar.
Tudo isso me faz lembrar uma manifestação da qual participei em meu primeiro ano de campus, na UFMG, a Universidade Federal de Minas Gerais, onde estudei Geografia e, depois, Comunicação Social.
Mal havia começado as aulas, e professores, alunos e funcionários, entraram em uma greve que durou todo um semestre. Todos contra o sucateamento do ensino universitário capitaneado pelo governo Fernando Henrique Cardoso. E estavam certos. Afinal, tinha aula de filosofia na mesma cadeira em que o escritor Guimarães Rosa havia se sentado. Era charmoso, mas estava mesmo tudo caindo aos pedaços.
Uma assembleia democrática decidiu que marcharíamos nas duas avenidas que circundam o campus Pampulha, de forma pacífica e com cartazes que diziam “Fora FHC e o FMI”. Aos 18 anos, e ainda começando a vida univesitária na Fafich, a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, decidi, com meu primo e colega de turma Guilherme de Araújo, seguir a passeata.
Qual não foi nossa surpresa quando, logo que viramos a esquina, vimos surgir um ônibus cheio de policias militares, que saíram jogando bombas de gás em todos nós. Logo, começaram a descer o pau na estudantada. Em pleno 2001. Em plena tarde de uma das principais avenidas de Belo Horizonte.
Sem resistência estudantil, policiais covardes escolhiam os mais fracos para ver o poder de seus cassetetes. Uma aluna de letras teve o braço quebrado.
Assustados, corremos de volta para o campus e fechamos o portão. A polícia, rangendo os dentes, ficou do lado de fora. Eles ainda não tinham a permissão de entrar ali. Quando as câmeras da Globo chegaram, os policias já haviam milagrosamente desaparecido.
Há um ódio histórico entre estudante e polícia. Afinal de contas, não é tão simples esquecer que, há pouco tempo, policiais invadiam salas de aulas e centros acadêmicos para levar alunos para a tortura nos porões da ditadura.
E policiais também não suportam os estudantes, que consideram filhinhos de papais privilegiados em poder estudar às custas do Estado, enquanto eles colocam suas vidas em risco para pegar bandidos em troco do salário medíocre que este mesmo Estado lhes paga.
E é dessa dicotomia que vem o confronto. O policial patrulheiro que passa as madrugadas na USP, no fundo, odeia o estudante que está por ali fumando maconha, para desanuviar a cabeça depois de uma tarde de estudos filosóficos. Por isso o prende, numa forma de demonstração de poder. E isso faz com que aquele estudante o odeie por usar o poder da Lei de uma forma tão bruta, injustificada e vingativa.
Estudante este que, por estar numa universidade pública – prova de sua reconhecida capacidade intelectual – se acha melhor que os demais. Favelados não fazem protestos pelo direito de fumar maconha. Ou, se fazem, ninguém escuta.
Mas penso que seria simples por demais embarcar no que faz a grande mídia e classificar os alunos que tomam o prédio da Reitoria da USP como “filhinhos de papai baderneiros”. E sair defendendo o cumprimento cego da Lei como uma Dona Carochinha viciada no Programa Silvio Santos e que reverbera o pensamento de extrema direita sem nem se dar conta. Mas não seria o correto, porque, afinal de contas, na confusão da USP, todos estão errados: universidade, policiais, estudantes e sociedade. Todos são por demais hipócritas e donos, cada um, de sua tão conveniente verdade.
*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e adora a inocência da letra da canção Povo Comum Pensar, do Olodum.
Foto de Rodrigo Paiva, do UOL
quinta-feira, 7 de julho de 2011
Coluna do Miguel Arcanjo nº 178
Caro leitor, não poderia deixar de publicar neste espaço um dos melhores textos que li nos últimos tempos. Verdadeiro, profundo, simples e triste, como a vida o é muitas vezes. Espero que você goste.
Pacha
Por Juan Manuel Tellategui*
Hoje faz frio. Provavelmente seja um dos dias mais frios que vivi aqui. Talvez, seja assim mesmo, como em forma de metáfora.
Há dias, me lembrei dele. De forma passageira, como quem recorda a alguém que não vê faz um tempo e este surge representado em forma de um pensamento fugaz. Talvez, me avisou um anjo, ou talvez ele mesmo veio me visitar.
Como às vezes gosto de fazer, coloquei o computador em um programa da televisão argentina, no qual levam especialistas que relativizam todos os temas cotidianos, tornando-os frívolos e banais.
Este era o caso de quem tinha TOC, e a psicóloga falava, explicava e exemplificava os diferentes tipos de obsessão que existem. Eu escutava, de fundo, enquanto ordenava roupas e esperava não encontrar-me em nenhum daqueles casos.
Para minha curiosidade, alguns tipos de colecionadores também são obsessivos, e o exemplo foi o de uma pessoa que transforma sua casa em um depósito de coleções a ponto de ficar difícil viver dentro dela.
A casa de Pacha, pensei. E pensei também em um monte de perguntas para mim mesmo: Será que a casa dele foi acumulando cada vez mais livros, revistas, móveis de madeira encontrados na rua, entulhados até o teto? Eles eram reciclados pelo marido da Elcira, a senhora que fazia a faxina da casa. E os figurinos teatrais? Muitos, cada um permanecia como se encerrasse dentro dele uma história do passado. E as garrafinhas? Tantas garrafinhas de coca-cola... Insumo grátis – ele dizia – para uma cenografia original, que se utiliza como recurso para o passar do tempo na obra. Como estará? Tanto tempo...
E continuei com minhas coisas e com o relato do programa de TV.
Hoje, um dia como os outros, frio por demais, abro uma janela do Google para fazer uma busca relacionada a meu trabalho.
O azar, o destino, uma página leva a outra, uma sucessão de informação, e tudo acontece rapidamente. Um texto sobre Pina Bausch, ah, e tem uma foto do espetáculo inspirado no Japão que vi em São Paulo. Alternativa Teatral, claro, todos estamos em Alternativa Teatral. Página 12, que boa notícia, não sabia que havia escrito para Página. Tampouco me surpreendeu. Recordo que as manhãs dos domingos ele ia comprar o jornal para lê-lo tomando mate e, às vezes, com facturas.
Recordo os cálidos domingos de inverno, com o sol entrando na perpendicular por essa janela alta para espantar o frio. Até que cheguei a uma carta em um blog.
A última vez que nos vimos foi na Feira do Livro. Faz um, dois anos, talvez. Encontramo-nos na calçada da avenida Sarmiento, enquanto escutávamos Caetano acústico, sozinho com um violão. A noite era tranquila na multidão, fazia calorzinho, era uma noite de verão agradável. Enquanto colocávamos na agenda de nossos novos celulares os nossos novos números de telefone, ele me contava que estava muito feliz, porque havia conseguido um estande com “a revista” na feira. Não me atrevia a indagar demais, porque ele dava como certo que eu sabia tudo sobre “a revista” e poderia entender uma pergunta daquelas como uma falta de interesse minha sobre seus projetos nos últimos anos. A revista. Fiquei entusiasmado ao vê-lo tão entusiasmado, tão cheio de projetos, como sempre, tão projetado. Sempre ocupado.
Recordo que um dia ele me disse: “...que é a vida, senão, um sem fim de buscar um sentido”. Para dar-lhe um sentido, e quando começa a perdê-lo, buscar outra coisa, e outra, e assim até sempre... Sendo assim um incansável buscador de vida.
Retumba faz muito tempo essa frase dentro de mim. Eu me apropriei dela como se fosse minha, porque ele a me presenteou em um dia que eu estava triste. Quanta simples sabedoria. Quanto amor. Porque só quem teve calo de dor pode compreender a dor alheia e, ainda assim, distanciar-se para uma palavra, uma frase que valha a pena. Esse também, creio, era um de seus sentidos, a generosa hospitalidade compassiva.
Assim foi que nos conhecemos também.
Recordo as reuniões que tive o privilégio de participar, onde se falava de estética, semiótica, formas, arte, formas expressivas, usos do correto discurso castelhano. Tudo está comigo, esse foi seu maior presente. Naquele então, ele me chamava de “criatura”, e eu gostava que ele me chamasse assim também.
Como tudo acontece coma velocidade do dia a dia, pensei em ir visitá-lo e levar-lhe um uísque de presente, talvez um vinho, como agradecimento. Entretanto, essa ideia parecia-me demasiado formal... E esperando... Não sei, uma ideia melhor, deixava pendente para, mais adiante, dar um presente a Pacha.
Foi em 25 de maio. Que fiz em 25 de maio? Ah, sim, foi um dia qualquer, somente que não foi feriado e fazia calor. Lembrei-me da tradicional mazamorra que faz minha avó aos 25 de maio e pensei se neste ano ela faria também. Ninguém da família gosta de mazamorra, mas eu gosto e neste ano descobri que também se chama canjica.
Tudo continua como sempre, a vida das pessoas não se detém, não devem deter-se, porque é assim.
O tempo é tão curto.
Não sei se interessaria a ele que alguém o chorasse. Creio que, uma vez, fazendo piada, até disse que preferiria que se fizesse uma festa e que todos terminassem bêbados. Provavelmente, hoje eu faça um brinde em sua memória, em silêncio, à distância. Provavelmente, enquanto ele tenha um sentido, vai permanecer sempre conosco, a família da vida.
Obrigado, Pacha, por tudo o que foi para mim, “te quiero mucho”.
*Juan Manuel Tellategui é um ator argentino.
domingo, 5 de junho de 2011
Coluna do Miguel Arcanjo nº 177
Quem é Ancelmo Gois?
Por Miguel Arcanjo Prado*
Para o colega Fabian Chacur
Vira e mexe me assusto com os novos tempos. E olha que eu só tenho 29 anos e ainda não deveria estar desse jeito. Mas não dá.
Ao mesmo tempo em que muitos bradam por aí que estamos na era mais avançada da comunicação e que a humanidade evoluiu não sei quantas léguas, vejo, por outro lado, uma marcha em prol de tornar o mundo cada dia mais careta.
Parece que muita gente não ficou feliz diante dos passos largos que demos nas últimas décadas, sobretudo nos costumes. É por essas e outras que vemos surgir histórias absurdas como a que catapultou Geisy Arruda ao estrelato.
Por exemplo, na aprovação da união estável para casais gays pela Justiça houve de tudo. Até o retrógrado deputado, cujo nome eu me recuso a citar para não ajudá-lo depois nas urnas, que disse que a medida ajudaria a aumentar a pedofilia. Tadinho, será que ninguém avisou para ele que, geralmente, pedófilos são os pais, irmãos, tios e padrastos de famílias oficialmente dentro do “formato cristão” que ele defende? É cada asneira que se ouve – e se publica – impunemente por aí...
A Avenida Paulista, ultimamente, está vivendo, a cada semana, seu momento maio de 1968. Um dia é marcha para defender a maconha, noutro, mulheres saem com cartazes em prol do direito de serem vadias e, ao fim, como não cansa de reclamar minha amiga fotógrafa Julia Chequer, a imprensa apanha da PM qualquer que seja o tema da marcha. Dia desses é bem capaz de um grupo de senhorinhas quatrocentonas saírem por aí para defender Deus, a família e a liberdade, igualzinho aquela de mais de 40 anos atrás.
Porque o direito de não ter metrô perto de casa elas já defenderam. Afinal de contas, conviver com “gente diferenciada” é tarefa complicadíssima. Eu que o diga. Afinal, faço isso desde que nasci.
PS.
Fala que não dá vontade de chorar quando você escuta, em uma redação, a inconsequente pergunta de estagiário do terceiro ano de jornalismo, em plena era Google: “Quem é Ancelmo Gois?”.
*Miguel Arcanjo Prado é um dos jornalista que ainda gosta de ler jornal.
Por Miguel Arcanjo Prado*
Para o colega Fabian Chacur
Vira e mexe me assusto com os novos tempos. E olha que eu só tenho 29 anos e ainda não deveria estar desse jeito. Mas não dá.
Ao mesmo tempo em que muitos bradam por aí que estamos na era mais avançada da comunicação e que a humanidade evoluiu não sei quantas léguas, vejo, por outro lado, uma marcha em prol de tornar o mundo cada dia mais careta.
Parece que muita gente não ficou feliz diante dos passos largos que demos nas últimas décadas, sobretudo nos costumes. É por essas e outras que vemos surgir histórias absurdas como a que catapultou Geisy Arruda ao estrelato.
Por exemplo, na aprovação da união estável para casais gays pela Justiça houve de tudo. Até o retrógrado deputado, cujo nome eu me recuso a citar para não ajudá-lo depois nas urnas, que disse que a medida ajudaria a aumentar a pedofilia. Tadinho, será que ninguém avisou para ele que, geralmente, pedófilos são os pais, irmãos, tios e padrastos de famílias oficialmente dentro do “formato cristão” que ele defende? É cada asneira que se ouve – e se publica – impunemente por aí...
A Avenida Paulista, ultimamente, está vivendo, a cada semana, seu momento maio de 1968. Um dia é marcha para defender a maconha, noutro, mulheres saem com cartazes em prol do direito de serem vadias e, ao fim, como não cansa de reclamar minha amiga fotógrafa Julia Chequer, a imprensa apanha da PM qualquer que seja o tema da marcha. Dia desses é bem capaz de um grupo de senhorinhas quatrocentonas saírem por aí para defender Deus, a família e a liberdade, igualzinho aquela de mais de 40 anos atrás.
Porque o direito de não ter metrô perto de casa elas já defenderam. Afinal de contas, conviver com “gente diferenciada” é tarefa complicadíssima. Eu que o diga. Afinal, faço isso desde que nasci.
PS.
Fala que não dá vontade de chorar quando você escuta, em uma redação, a inconsequente pergunta de estagiário do terceiro ano de jornalismo, em plena era Google: “Quem é Ancelmo Gois?”.
*Miguel Arcanjo Prado é um dos jornalista que ainda gosta de ler jornal.
sexta-feira, 27 de maio de 2011
sexta-feira, 20 de maio de 2011
sexta-feira, 13 de maio de 2011
segunda-feira, 4 de abril de 2011
quinta-feira, 31 de março de 2011
Coluna do Miguel Arcanjo nº 176
Adeus, Zé
Por Miguel Arcanjo Prado*
José Alencar se foi. Parece difícil de acreditar. Mesmo diante de sua doença – o que poderia fazer alguns pensarem que seu fim era algo iminente –, seu recado sempre foi de vida. De dignidade.
Zé, como era chamado pelos amigos e pelo povo de Minas Gerais, terra que amou como poucos e foi espécie de porta-bandeira, com seu jeito amigo, hospitaleiro e conciliador, demonstrava uma fé inabalável a cada entrada ou saída do hospital.
Em meus primeiros passos no jornalismo, ainda estudante da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e estagiário de uma grande redação em Belo Horizonte em 2005, fui surpreendido pelo recado de meu editor, Paulo Valladares. Seria uma espécie de setorista de José Alencar.
Na realidade, isso significava que era de minha responsabilidade cobrir, diariamente, a agenda do vice-presidente e, claro, as novidades de seu estado de saúde, já então delicado.
Passei a falar diariamente com seu fiel assessor, Adriano Silva, que me passava as últimas do Zé. Até que um dia ele apareceu na emissora para uma entrevista. Encontrei-me com ele no corredor e contei que cobria sua agenda. Daquele jeito simples, ele me agradeceu e, quebrando todos os protocolos de um vice-presidente, me deu um abraço afetuoso.
É esta imagem que vou guardar do meu conterrâneo José Alencar. Homem que soube, como poucos, mostrar que é possível fazer política com dignidade. Sua vida foi exemplo de vitória, com a surpreendente trajetória de menino pobre de Muriaé, na zona da mata mineira, a empresário milionário e vice-presidente da nação.
Sem preconceitos, uniu-se ao candidato ex-operário, dando a ele a confiança do mercado da qual tanto necessitava. Zé foi generoso, humilde e sempre respeitoso com o presidente Lula, sem perder suas opiniões e convicções. Quem não se lembra de sua batalha contra os juros altos? Mas suas considerações eram feitas de forma a nunca faltar com o respeito.
Zé conquistou o amor do povo brasileiro ao mostrar, diariamente, que era apenas mais um deles. Homem simples, guerreiro, batalhador. Coisa rara de se ver. É por isso que sua partida dói tanto.
*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e tinha um grande carinho por seu conterrâneo José Alencar.
Por Miguel Arcanjo Prado*
José Alencar se foi. Parece difícil de acreditar. Mesmo diante de sua doença – o que poderia fazer alguns pensarem que seu fim era algo iminente –, seu recado sempre foi de vida. De dignidade.
Zé, como era chamado pelos amigos e pelo povo de Minas Gerais, terra que amou como poucos e foi espécie de porta-bandeira, com seu jeito amigo, hospitaleiro e conciliador, demonstrava uma fé inabalável a cada entrada ou saída do hospital.
Em meus primeiros passos no jornalismo, ainda estudante da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e estagiário de uma grande redação em Belo Horizonte em 2005, fui surpreendido pelo recado de meu editor, Paulo Valladares. Seria uma espécie de setorista de José Alencar.
Na realidade, isso significava que era de minha responsabilidade cobrir, diariamente, a agenda do vice-presidente e, claro, as novidades de seu estado de saúde, já então delicado.
Passei a falar diariamente com seu fiel assessor, Adriano Silva, que me passava as últimas do Zé. Até que um dia ele apareceu na emissora para uma entrevista. Encontrei-me com ele no corredor e contei que cobria sua agenda. Daquele jeito simples, ele me agradeceu e, quebrando todos os protocolos de um vice-presidente, me deu um abraço afetuoso.
É esta imagem que vou guardar do meu conterrâneo José Alencar. Homem que soube, como poucos, mostrar que é possível fazer política com dignidade. Sua vida foi exemplo de vitória, com a surpreendente trajetória de menino pobre de Muriaé, na zona da mata mineira, a empresário milionário e vice-presidente da nação.
Sem preconceitos, uniu-se ao candidato ex-operário, dando a ele a confiança do mercado da qual tanto necessitava. Zé foi generoso, humilde e sempre respeitoso com o presidente Lula, sem perder suas opiniões e convicções. Quem não se lembra de sua batalha contra os juros altos? Mas suas considerações eram feitas de forma a nunca faltar com o respeito.
Zé conquistou o amor do povo brasileiro ao mostrar, diariamente, que era apenas mais um deles. Homem simples, guerreiro, batalhador. Coisa rara de se ver. É por isso que sua partida dói tanto.
*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e tinha um grande carinho por seu conterrâneo José Alencar.
domingo, 26 de dezembro de 2010
Coluna do Miguel Arcanjo nº 175
Papai Noel e uma ceia de Natal
Por Miguel Arcanjo Prado*
Foi Márcia La Marca, produtora da TV Globo Minas, quem me apresentou ao Papai Noel dos Correios. Marcinha, como é carinhosamente chamada pelos amigos, sempre fazia questão de buscar as cartinhas escritas por crianças pobres endereçadas ao Papai Noel. Depois, levava o pacote à redação, onde distribuía uma a cada um dos jornalistas, incluindo aí os estagiários, categoria à qual eu pertencia nos Natais de 2005 e 2006.
Marcinha me ensinou a alegria imensa que é ir às lojas de brinquedos ou papelarias buscar presentes dos mais simples pedidos por aquelas letrinhas infantis cheias de fé e de esperança, mesmo diante de uma vida tão adversa.
Quatro anos já sem Marcinha no meu cotidiano, há duas semanas, fui postar alguns cartões de Natal na agência dos Correios da minha rua. E qual não foi minha surpresa ao ver, enorme, uma caixa de papelão cheia de cartinhas. Atrás da caixa, uma funcionária com aquele sorrisão igual ao da Marcinha, pedindo:
- Por que você não leva uma? A campanha só vai até depois de amanhã. E ainda tem muita cartinha aí perdida, sem ser adotada...
Logo quando entrei na agência, eu me encontrei com a faxineira do meu prédio, que estava saindo. Esperta, a atendente dos Correios notou nossos cumprimentos e a pergunta de Marlene se eu não queria que ela fosse lá em casa deixar o apartamento um brinco para o Natal. Tanto que mandou essa:
- Por que você não adota a cartinha do filho de sua funcionária? Ela colocou já faz alguns dias mas ninguém levou ainda... Ela vem aqui todo dia ver se alguém pegou e, hoje, terminou de sair tristinha, porque percebeu que a cartinha do filho dela ainda está aqui.
Mal disse essas palavras, enfiou a mão na caixa, retirando o trunfo:
- É esta aqui!
Na hora me veio à cabeça o sorriso de Marcinha. Não tive como não levar esta e mais outras três cartas, que dividi com meu primo Caio Silva e minha amiga Gabriela Quintela. Só sei que saí dos Correios me sentindo o ganhador do maior presente do mundo.
******
Noite de véspera de Natal e lá estava eu na redação do R7. Trabalhando sem parar. Com a família e o amor a algumas centenas de quilômetros de distância, não havia perspectiva de ceia ou de confraternização.
Até que o elétrico repórter Fernando Gazzaneo veio com o convite de última hora:
- Miguelito, terminei de falar com o João Varella [gaúcho e também repórter dos bons do R7]. Ele falou que a mãe dele veio de Guaíba visitá-lo, fez uma ceia enorme e está chamando dóis para ir à sua casa assim que sairmos daqui. Vamos?
Simples assim. Logo que deu nosso horário de saída, às 23h, rumamos às pressas para a rua Eduardo Prado, nos Campos Elíseos, onde fica o apartamento do João, com medo de não chegarmos a tempo da meia-noite. Mas deu tudo certo.
Conhecemos Patrícia Varella, parecida mais uma irmã do que mãe do João. Professora de educação física e dançarina de mão cheia. Uma gaúcha da pá virada que foi várias vezes na fila na qual Deus distribuiu o carisma. Feliz, sorridente, simples e acolhedora. Fez-me sentir em casa, ao lado de Fernando, dela e de seu dois filhos, João e Gibran - este vindo de Curitiba também para o Natal.
Foi assim que descobri, mais uma vez, que a beleza do Natal é feita de gestos simples e inesquecíveis.
*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e deseja a todos um 2011 cheio de saúde, paz e Deus no coração.
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Coluna do Miguel Arcanjo nº 174
A alegria americana e a tristeza carioca
Por Miguel Arcanjo Prado*
Depois de quase dez anos afastado da elite do futebol nacional, o América Mineiro conquistou o direito de voltar à série A do Campeonato Brasileiro, no último sábado (27), ao empatar com o Ponte Preta. Fiquei contentíssimo.
Não, caro leitor. Não sou americano. Sou galo, torcedor do Atlético-MG, estado esportivo que também define todos os outros membros da minha família quando o assunto é bola no campo. Mas, como bom atleticano, na mesma medida em que
odeio o Cruzeiro, tenho aquele carinho especial pelo Coelho.
Quando se fala em América, a imagem que vem em minha mente é a do Tio Jaci, típico torcedor americano, morador do tradicional bairro do Esplanada, na zona leste belo-horizontina, nos arredores do estádio do Independência, a casa de seu time.
Sempre com seu radinho a pilha por perto, Tio Jaci acompanha cada centímetro da trajetória de sua equipe desde que me entendo por gente.
Nas férias da infância e adolescência, que adorava passar em sua casa, com Tia Rose e os primos Mateus e Moisés, o América Mineiro sempre era a pauta das conversas com ele. Tio Jaci sabia tudo. As contratações, as broncas do técnico na equipe, a
escalação para o próximo jogo. Eu, apesar de não ser muito afoito em temas futebolísticos, sempre dava trela,encantado com o encanto que aquele time provocava nele.
Tenho certeza que hoje, com o América-MG na elite do futebol nacional, Tio Jaci está lá na casa dele todo orgulhoso e feliz.
******
O horror que se viu nos últimos dias no Rio entristece,choca, comove, provoca, desespera. Desespera porque é difícil ver luz no fim do túnel desta cidade com bandidos cruéis encastelados não só nos altos dos morros como também nos altos gabinetes do Estado.
Apesar da euforia provocada por tanques de guerra que deixaram traficantes acuados, ainda é difícil vislumbrar jeito para o Rio. Porque sempre haverá consumidores de drogas. E gente que lucrará com a venda ilegal dela à população.
É por demais utópico dizer que o consumo deveria acabar como estratégia de minar a força do tráfico, tirando dele o dinheiro dos playboyzinhos e patricinhas da zona sul e suas festinhas por lá e na Lapa.
A verdade é que as coisas não são tão simples assim. É por isso que, mesmo com o Alemão caído, a gente ainda fica com medo e se desespera.
*Miguel Arcanjo Prado é um jornalista mineiro de jeito carioca.
Por Miguel Arcanjo Prado*
Depois de quase dez anos afastado da elite do futebol nacional, o América Mineiro conquistou o direito de voltar à série A do Campeonato Brasileiro, no último sábado (27), ao empatar com o Ponte Preta. Fiquei contentíssimo.
Não, caro leitor. Não sou americano. Sou galo, torcedor do Atlético-MG, estado esportivo que também define todos os outros membros da minha família quando o assunto é bola no campo. Mas, como bom atleticano, na mesma medida em que
odeio o Cruzeiro, tenho aquele carinho especial pelo Coelho.
Quando se fala em América, a imagem que vem em minha mente é a do Tio Jaci, típico torcedor americano, morador do tradicional bairro do Esplanada, na zona leste belo-horizontina, nos arredores do estádio do Independência, a casa de seu time.
Sempre com seu radinho a pilha por perto, Tio Jaci acompanha cada centímetro da trajetória de sua equipe desde que me entendo por gente.
Nas férias da infância e adolescência, que adorava passar em sua casa, com Tia Rose e os primos Mateus e Moisés, o América Mineiro sempre era a pauta das conversas com ele. Tio Jaci sabia tudo. As contratações, as broncas do técnico na equipe, a
escalação para o próximo jogo. Eu, apesar de não ser muito afoito em temas futebolísticos, sempre dava trela,encantado com o encanto que aquele time provocava nele.
Tenho certeza que hoje, com o América-MG na elite do futebol nacional, Tio Jaci está lá na casa dele todo orgulhoso e feliz.
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O horror que se viu nos últimos dias no Rio entristece,choca, comove, provoca, desespera. Desespera porque é difícil ver luz no fim do túnel desta cidade com bandidos cruéis encastelados não só nos altos dos morros como também nos altos gabinetes do Estado.
Apesar da euforia provocada por tanques de guerra que deixaram traficantes acuados, ainda é difícil vislumbrar jeito para o Rio. Porque sempre haverá consumidores de drogas. E gente que lucrará com a venda ilegal dela à população.
É por demais utópico dizer que o consumo deveria acabar como estratégia de minar a força do tráfico, tirando dele o dinheiro dos playboyzinhos e patricinhas da zona sul e suas festinhas por lá e na Lapa.
A verdade é que as coisas não são tão simples assim. É por isso que, mesmo com o Alemão caído, a gente ainda fica com medo e se desespera.
*Miguel Arcanjo Prado é um jornalista mineiro de jeito carioca.
sábado, 6 de novembro de 2010
Filha de nordestinos que ama o Brasil sem fronteiras
Por Adriana Macedo*
Nasci em São Paulo, como milhões de paulistanos, apenas pelo fato de meus pais, trabalhadores rurais no sertão cearence, não encontrarem naquela época condições mínimas de trabalho e renda para manterem suas famílias com dignidade.
Para cá vieram ainda na década de 60, mais precisamente em 1968, pleno ano da ditadura pesada, do AI-5.
Lembro de que minha casa era sempre cheia de parentes. Quem já tinha casa recebia os outros, até que esses se estabilizassem e pudessem garantir o seu teto. Eram tempos difíceis, mas de muita solidariedade e muito, muito trabalho.
Meu pai aqui aprendeu o ofício de marceneiro, no qual trabalhou durante toda a sua vida. Levou marmita, pegou ônibus lotado, acordou às 5h da manhã, respirou muito pó de serragem e ouviu muito barulho alto de máquina, durante 30 anos de trabalho.
Me recordo com muito carinho da rotina diária de minha mãe, olhando-o descer do ônibus às 18h em ponto e indo colocar sua janta na mesa, para assim que ele entrasse, a comidinha estivesse lá, quentinha, para quem vinha faminto de um dia inteiro de trabalho pesado. Aquela comida simples tinha gosto de amor, de afeto, de cuidado...
E foi nessa luta, que Francisco mandou os três filhos para a faculdade (dois deles para a faculdade pública), o que sempre foi sua grande meta de vida.
Lá no bairro da Freguesia do Ó, eu nunca tinha sentido o preconceito, pois a grande maioria era formada por nordestinos, ou imigrantes mineiros, nortistas. Mas, conforme fui crescendo e adentrando a outras regiões da cidade, ouvi muitas barbaridades, muitas agressões, muitas discriminações que não entendia e com as quais me revoltava. Já briguei muito defendendo os nordestinos, quem me conhece sabe como eu era mais combativa, revoltada e até agressiva.
Hoje, vejo esses atos fascistas, xenofóbicos, preconceituosos e criminosos (divulgados no Twitter contra os nordestinos, em virtude da vitória da candidata Dilma Rousseff para presidente), vindo de pessoas jovens, que têm formação e informação, e me dá uma profunda tristeza, uma sensação de que não estamos evoluindo enquanto nação, enquanto cidadãos, enquanto seres humanos.
Que tipo de valores esses jovens estão recebendo em casa para disseminar tanto ódio gratuito, tanta barbaridade, tanta violência?
Eu sempre defendi um Brasil sem fronteiras, um mundo sem fronteiras. As cidades, estados, regiões, países são apenas divisões políticas e administrativas, a Terra é inteira, única, completa.
Ao mesmo tempo, amo e admiro as diferenças. Que lindo país temos, com tantas culturas, tantos sotaques, como adoro o "oxente" baiano, o sotaque cheio de “s” do carioca, os “uais” mineiros... Aliás, também repugno essa rixa estúpida entre paulistas e cariocas. Sou paulistana e amo o Rio de Janeiro.
Como é gostoso viajar e ouvir diferentes formas de pronúncia, comer comidas diferentes. Como aprendemos como viviam os europeus quando vamos ao sul, e as culturas africanas na Bahia. E a variedade de cores de pele, olhos, cabelos, como é rico e belo.
Que triste seria se todos tivéssemos a mesma aparência, o mesmo sotaque, o mesmo modo de pensar... Seríamos como robôs, cópias clonadas, máquinas. Viva a diferença! E é respeitando as diferenças que percebemos que, na essência, somos todos realmente iguais!
*Adriana Macedo é jornalista.
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
Coluna do Miguel Arcanjo nº 173
Ilustração: Loredano
O senhor vai votar na Dilma, né?
Por Miguel Arcanjo Prado*
Nesta sexta-feira, cheguei morto da redação em casa, gripado, cansado. Meu porteiro me aguardava em frente ao elevador com um sorriso todo simpático no rosto.
Logo pensei: aí vem piadinha pela frente, já que ele tem um humor que nem um tsunami consegue abalar. E qual não foi a surpresa quando ele vaticinou, num tom todo curioso:
- O senhor vai votar na Dilma no domingo, né?
Resolvi jogar pesado e não dei a certeza que ele tanto queria. Contestei com outra pergunta:
- Por quê?
Logo ele me pôs a explicar, num tom professoral.
- Porque ela vai continuar tudo o que o Lula fez pela gente, né? Se o outro ganha eu não boto fé... Muda tudo pra pior.
Fiz-me de rogado e quis saber qual seria esse tão aclamado feito do tal do Lula por todos nós. Ele continuou, mais empolgado e confiante.
- O Lula pagou toda a nossa dívida. Porque antes só queriam ir lá no estrangeiro e pedir emprestado para colocar tudo no bolso. O Lula, não. Ele pagou tudo. A gente agora não deve nada a ninguém.
Continuei dando corda. Seu João respirou fundo e prosseguiu o discurso.
- Agora a gente tem emprego, né. Eu mesmo, já fiquei muito na fila do desemprego e sei como é. E os pobres estão todinhos de barriga cheia. Antes era aquela fome, a gente não conseguia comprar biscoito e iogurte pros meninos. Agora dá para comprar.
Resolvi bancar o indignado e disse que, apesar disso tudo, ainda faltava melhorar muita coisa. Para minha surpresa, seu João concordou.
- Sim, falta muita coisa. Mas o Lula já deixou tudo no ponto para ela fazer. Agora, se o outro ganha, eu não sei não...
Ao ver que o elevador chegava no térreo, ele lembrou-se de satisfazer a sua curiosidade inicial.
- Mas o senhor, “seu” Miguel, vai votar na Dilma domingo, né?
Resolvi terminar logo com aquele sofrimento, até porque estava louco para subir, tomar um banho, comer e me atirar no sofá da sala para ver o debate da Globo debaixo das cobertas. Enquanto entrava no elevador, respondi:
- Vou, sim, seu João. Vou votar na Dilma. E sabe por quê? Porque eu assino embaixo em tudo o que o senhor disse.
*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e fica feliz quando descobre que pessoas a quem admira têm uma visão de mundo parecida com a dele.
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Coluna do Miguel Arcanjo nº 172
A simplicidade da felicidade
Por Miguel Arcanjo Prado*
A felicidade é simples como a pluma que o vento leva solta pelo ar, já dizia o poetinha que todos nós amamos, Vinicius de Moraes. Hoje, por exemplo, ela se fez diante dos meus olhos no menino que foi trabalhar com seu pai, motorista de ônibus na linha que liga Buenos Aires a Quilmes, município nos arredores, nesta segunda-feira de feriado argentino.
Feliz, a criança admirava seu progenitor com um olhar expressivo que tudo já dizia. Pequenino, abraçava as pernas de seu pai, concentrado em conduzir o veículo sem perder, contudo, a ternura daquele gesto, homem de tantas responsabilidades e dono de uma profissão que enchia de encanto os olhos daquele menino.
Seu pai era o responsável por conduzir toda aquela gente, cansada e espremida, para seus – poucos e, por isso, tão importantes – minutos de felicidade e paz no restante daquele dia regido pelo sol majestoso que se exibia lá fora pela janela.
A simples saída de Buenos Aires para a pacata Quilmes explicita o que é tão necessário e que, muitas vezes, deixamos de lado: o parar simplesmente para refletir a quanto anda nossa cota de felicidade. Muitas vezes, em nome de muita coisa que vamos esquecer logo depois, deixamos de lado a busca pelo sorriso farto e o bem estar.
Ser feliz é apenas estar em paz. De bem consigo mesmo e com o que há ao seu redor. Se não é possível mudar esse mundo que muitas vezes se pinta cheio de gente feia, careta, direitista e idiota, talvez basta que ignoremos essa turma que não vale a pena e abramos nossos olhos para aquelas pessoas que nos transmitem coisas boas – pode parecer mentira, mas elas existem, sim. Está bem, sei que não são muitas, mas as poucas que restam muitas vezes cruzam nossos caminhos.
E, para ser certeiro nesses momentos preciosos, é preciso estar atento e forte, como na canção do Caetano, sem tempo para temer a morte. É preciso criar o tempo para a vida – de fato, a que vale a pena. Para curtir a simplicidade que a traduz. Porque no final, é o simples que vai ficar. Coisas como um almoço de feriado feito com carinho, o silêncio de uma leitura de jornal compartida, a escolha da boa música que encherá o ambiente de alegria, aquele olhar cheio de silêncio e de significado junto às mãos entrelaçadas sob o sol que atesta que, sim, é possível ser feliz.
*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e é um homem feliz.
sábado, 11 de setembro de 2010
La Mirada Invisible y Los Pecados de Mi Padre
Estou de férias, já há quatro dias em Buenos Aires. Resolvi aproveitar este sábado à noite para ver um filme do qual os dois jornais daqui, o Clarín e o La Nacíon, falaram bem. Trata-se do ótimo "La Mirada Invisible".
A obra é um verdadeiro soco no estômago da hipocrisia que reinava nos tempos da ditadura e volta e meia tenta retornar, com seu culto às regras mediocrizantes. O diretor é Deigo Lerman.
Julieta Zylberberg (a lindíssima da foto acima) arrasa como a protagonista, Maria Teresa, uma professorinha virgem que gosta de se esconder no banheiro masculino do colégio para espiar um de seus alunos, pelo qual nutre uma paixão platônica. Omar Nuñez mostra o talento de sempre como um diretor que representa aquela idiotice chamada "moral e bons costumes", cujo fundo a gente já sabe que é um monte de podridão.
Abaixo, o trailer. Se puder, assista. É realmente ótimo!
Ontem, fui à mostra Panorama Colômbiano do Palais de Glace e assisti a outro filme também muito bom. Dessa vez, o documentário "Los Pecados de Mi Padre", no qual Sebastián Marroquín (o moço da foto acima) passa a limpo a vida de seu pai, Pablo Escobar, o mais famoso narcotraficante do mundo que, no fim da década de 1980, controlou 80% do tráfico de cocaína do mundo todo.
Ao fim da projeção, descobri que estava sentado o tempo todo ao lado da viúva de Pablo Escobar, María Isabel Caballero. Tanto ela quanto seu filho, hoje um arquiteto respeitado, vivem em Buenos Aires. Mas passaram por maus bocados até chegarem aqui, como bem mostra o filme.
Sebastián apareceu após os créditos finais em carne e osso e pegou uma plateia emocionada com o conteúdo maior do documentário: o pedido de perdão dele aos filhos de Luis Carlos Gallán, líder político colombiano que seu pai mandou matar.
Ao fim do debate, Sebastián me contou por que aceitou fazer o filme: "Quis que nada sobre a vida de meu pai ficasse oculto, porque queria construir uma mensagem através da história de vida dele, para que ela não se repita. Achava muito egoísta da minha parte não compartilhar a lição de vida que aprendi. Quero que esse filme seja visto pela maior quantidade possível de jovens, para que ele ajude a mudar o futuro."
Faz ele muito bem. Para quem se interessou pelo documentário dirigido por Nicolás Entel, abaixo, o trailer:
sábado, 4 de setembro de 2010
domingo, 22 de agosto de 2010
Coluna do Miguel Arcanjo nº 171
Que saudade da Cássia!
Por Miguel Arcanjo Prado*
Uma coluna como esta às vezes traz boas surpresas. A última, deliciosa, foi um e-mail que recebi de Cássia Teixeira Campos, minha melhor amiga dos tempos de colégio, hoje turismóloga respeitada com diploma da Universidade Federal de Ouro Preto. Em seu e-mail, com razão, Cássia queixou-se do meu desaparecimento e de só saber das minhas andanças por meio de meus textos. E confessou: anda muito nostálgica nesses dias.
Eu também. Que saudade dos tempos em que acordava às seis da manhã, tomava o café correndo e descia desenfreado a rua Madre Tereza, cruzava as avenidas Vilarinhos e Padre Pedro Pinto até chegar à rua de Cássia, onde batia em seu portão e ela aparecia sonolenta para, juntos, caminharmos até a Escola Estadual Santos Dumont, em Belo Horizonte, onde cursamos juntos o Ensino Médio.
Cássia chegou na escola ressabiada, vinda de Três Corações, no sul de Minas, transferida com a família para a capital. Logo, com seus cabelos pretos encaracolados que contrastavam com os olhos verdes enormes, conquistou todo mundo. Se bem que nosso colega Ricardo de Andrade Barcellos, hoje terminando o curso de engenharia civil na UFMG, sempre teimou que os olhos da Cássia são azuis. Eu nunca soube esta verdade.
Inteligentíssima, Cássia sempre rivalizou comigo e com Thiago Nascimento Rodrigues – o CDF da sala – em quem tinha as notas mais altas da turma. Mas, ao contrário de Thiago, que adorava competir, Cássia nem ligava para isso, já que não concentrava seu saber apenas na matemática ou história, mas também nas relações humanas. Em poucas semanas ela já era a menina mais popular da sala. Todo mundo queria ser amigo da Cássia.
Escritora nata, adorava mandar cartas para as amigas que havia deixado em Três Corações, para as quais, em pouquíssimo tempo, passei a escrever também, fazendo uso do selo social, dádiva governamental que permite mandar carta de até dez gramas pagando apenas um centavo – é assim até hoje.
Politizada, Cássia era esquerdista, sonhava em ver o Lula presidente e tinha pavor quando eu falava que ACM era bom para a Bahia, influenciado pelo pensamento de minha madrinha, Zélia Gattai. Ela queria me matar.
Culta, vivia na biblioteca. Lia Machado, Guimarães, Jorge. Mas nunca ganhou de mim na quantidade de livros retirados por ano. Nessa categoria sempre fui imbatível, com no mínimo 60 livros lidos no ano letivo, o que me fazia o queridinho da bibliotecária.
A volta da aula, no horário do almoço, também sempre era uma festa. Levávamos horas, parando em todas as lojas possíveis da avenida Padre Pedro Pinto. Mas uma era obrigatória: a paradinha no supermercado Êpa, para comprar sorvete. Na maioria das vezes, Cássia pagava para mim. De morango, eu pedia.
E as festas da Cássia, então? Todo o colégio disputava a dádiva de ser convidado. Aniversariante em pleno Dia de Finados, 2 de novembro, ela nunca se fez de rogada. Muito pelo contrário, aproveitava o feriado para encher a casa de gente.
Os 18 anos da Cássia, às vésperas da chega do fatídico ano 2000, foi um verdadeiro acontecimento, uma espécie de catarse coletiva, já que o nosso segundo grau chegava também ao fim naquele ano cheio de presságios. Era o fim de uma era e à nossa frente restavam apenas a incerteza dos vestibulares da UFMG e da UFOP. Por isso, todos naquela festa aproveitamos cada minuto para esquecer a vida adulta que teimava em bater à porta.
De família vinda de São João Evangelista, cidadezinha nos arredores de Guanhães, no leste de Minas, fartura sempre foi palavra pequena para definir as festas de Cássia: churrasco, arroz à grega e salpicão – cuja receita foi incorporada por minha mãe, que chama o prato delicioso até hoje de “Salpicão da Cássia” –; e também bolo e toneladas de sorvete em potes industriais.
Foi nos 18 anos da Cássia que beijei pela primeira vez a minha primeira namorada, Bruna Lima, hoje fazendo mestrado em Letras, em Paris. Foi bem no finzinho da festa, jamais vou me esquecer. Cássia armou tudo nos mínimos detalhes até ficarmos os dois, sozinhos, no portão de sua casa. É claro que não tinha como não rolar. Danada, essa Cássia. Que saudade!
*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e faz questão de estar na próxima festa da Cássia.
Por Miguel Arcanjo Prado*
Uma coluna como esta às vezes traz boas surpresas. A última, deliciosa, foi um e-mail que recebi de Cássia Teixeira Campos, minha melhor amiga dos tempos de colégio, hoje turismóloga respeitada com diploma da Universidade Federal de Ouro Preto. Em seu e-mail, com razão, Cássia queixou-se do meu desaparecimento e de só saber das minhas andanças por meio de meus textos. E confessou: anda muito nostálgica nesses dias.
Eu também. Que saudade dos tempos em que acordava às seis da manhã, tomava o café correndo e descia desenfreado a rua Madre Tereza, cruzava as avenidas Vilarinhos e Padre Pedro Pinto até chegar à rua de Cássia, onde batia em seu portão e ela aparecia sonolenta para, juntos, caminharmos até a Escola Estadual Santos Dumont, em Belo Horizonte, onde cursamos juntos o Ensino Médio.
Cássia chegou na escola ressabiada, vinda de Três Corações, no sul de Minas, transferida com a família para a capital. Logo, com seus cabelos pretos encaracolados que contrastavam com os olhos verdes enormes, conquistou todo mundo. Se bem que nosso colega Ricardo de Andrade Barcellos, hoje terminando o curso de engenharia civil na UFMG, sempre teimou que os olhos da Cássia são azuis. Eu nunca soube esta verdade.
Inteligentíssima, Cássia sempre rivalizou comigo e com Thiago Nascimento Rodrigues – o CDF da sala – em quem tinha as notas mais altas da turma. Mas, ao contrário de Thiago, que adorava competir, Cássia nem ligava para isso, já que não concentrava seu saber apenas na matemática ou história, mas também nas relações humanas. Em poucas semanas ela já era a menina mais popular da sala. Todo mundo queria ser amigo da Cássia.
Escritora nata, adorava mandar cartas para as amigas que havia deixado em Três Corações, para as quais, em pouquíssimo tempo, passei a escrever também, fazendo uso do selo social, dádiva governamental que permite mandar carta de até dez gramas pagando apenas um centavo – é assim até hoje.
Politizada, Cássia era esquerdista, sonhava em ver o Lula presidente e tinha pavor quando eu falava que ACM era bom para a Bahia, influenciado pelo pensamento de minha madrinha, Zélia Gattai. Ela queria me matar.
Culta, vivia na biblioteca. Lia Machado, Guimarães, Jorge. Mas nunca ganhou de mim na quantidade de livros retirados por ano. Nessa categoria sempre fui imbatível, com no mínimo 60 livros lidos no ano letivo, o que me fazia o queridinho da bibliotecária.
A volta da aula, no horário do almoço, também sempre era uma festa. Levávamos horas, parando em todas as lojas possíveis da avenida Padre Pedro Pinto. Mas uma era obrigatória: a paradinha no supermercado Êpa, para comprar sorvete. Na maioria das vezes, Cássia pagava para mim. De morango, eu pedia.
E as festas da Cássia, então? Todo o colégio disputava a dádiva de ser convidado. Aniversariante em pleno Dia de Finados, 2 de novembro, ela nunca se fez de rogada. Muito pelo contrário, aproveitava o feriado para encher a casa de gente.
Os 18 anos da Cássia, às vésperas da chega do fatídico ano 2000, foi um verdadeiro acontecimento, uma espécie de catarse coletiva, já que o nosso segundo grau chegava também ao fim naquele ano cheio de presságios. Era o fim de uma era e à nossa frente restavam apenas a incerteza dos vestibulares da UFMG e da UFOP. Por isso, todos naquela festa aproveitamos cada minuto para esquecer a vida adulta que teimava em bater à porta.
De família vinda de São João Evangelista, cidadezinha nos arredores de Guanhães, no leste de Minas, fartura sempre foi palavra pequena para definir as festas de Cássia: churrasco, arroz à grega e salpicão – cuja receita foi incorporada por minha mãe, que chama o prato delicioso até hoje de “Salpicão da Cássia” –; e também bolo e toneladas de sorvete em potes industriais.
Foi nos 18 anos da Cássia que beijei pela primeira vez a minha primeira namorada, Bruna Lima, hoje fazendo mestrado em Letras, em Paris. Foi bem no finzinho da festa, jamais vou me esquecer. Cássia armou tudo nos mínimos detalhes até ficarmos os dois, sozinhos, no portão de sua casa. É claro que não tinha como não rolar. Danada, essa Cássia. Que saudade!
*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e faz questão de estar na próxima festa da Cássia.
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