O significado da derrota de Martinho da Vila na ABL
Por Miguel Arcanjo Prado*
A Academia Brasileira de Letras, a ABL, instalada no pomposo palácio do Castelo, na região central do Rio, elegeu nesta semana seu novo membro. Aos 71 anos, o diplomata e escritor pernambucano Geraldo Holanda Cavalcanti abocanhou a cadeira de número 29. A vitória foi bonita, com 51% da preferência dos acadêmicos: dos 39 votos possíveis, recebeu 20. Mas o mais intrigante dessa eleição dos imortais não está no vitorioso, mas, sim, na lista dos que ficaram de fora.
Além de Cavalcanti, concorriam também o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Muniz Sodré, o ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau, e o sambista Martinho da Vila. É aí que mora o x da questão. Dos 19 votos que sobraram, Grau ficou com dez, e Sodré, com oito. O último foi em branco. Martinho não recebeu um votozinho sequer. Isso mesmo, o mestre do samba da Vila Isabel não conseguiu convencer nem o mais gagá dos velhinhos da ABL a depositarem seu nome na urna. E isso mesmo depois de levar a bateria da Vila Isabel para uma animada roda de samba no Palácio Trianon promovida em parceria com o presidente da casa, Marcos Vilaça. Nem isso foi suficiente para modernizar as velhas cabeças responsáveis pela língua brasileira.
Ao não votar em Martinho, a ABL manda um recado. Considera-se bem distante – e, por que não?, bem melhor – do que essa culturazinha inferior feita por gente pobre – e preta – exemplificada pelo samba de Martinho da Vila. A razão da não-eleição do compositor da zona norte é a mesma que fez a ABL rejeitar por duas vezes o jornalista negro e homossexual João do Rio (1881-1921), que só conseguiu a vitória em sua terceira tentativa, há exatos cem anos. Em sua posse, atrevido como só, fez questão de não usar um fraque qualquer – mandou costurar uma vistosa vestimenta, instituindo o famigerado fardão. Quem sabe na terceira tentativa Martinho não tem a mesma sorte que João do Rio? Resta sonhar.
******
Mesmo falando as mesmas coisas que já havia dito quando voltou à TV, no dia 8 de março último, Hebe Camargo, aos 81 anos, é a entrevistada da volta de Marília Gabriela ao SBT neste domingo e da revista Veja desta semana. Pouco importa que não seja material novo. O que interessa é que ela tem uma vontade de dizer a todo mundo o quanto ama a vida. No ano passado, na semana em que completou 80 anos, Hebe me deixou isso claro enquanto conversávamos em seu camarim no SBT. Rindo à beça, contou-me que comemoraria o aniversário na Disneylândia. Quando nos despedimos, fez questão de apertar minhas bochechas, me chamando de “gracinha” – coisa que costuma fazer sempre que nos encontramos nas pautas da vida. Dá gosto ver Hebe celebrada e saltitando por aí nas festas paulistanas. Dá orgulho de ser contemporâneo desta mulher, mesmo ela tendo nascido em 8 de março de 1929 e eu, em 3 de dezembro de 1981. Dá vontade de acreditar que Hebe vai durar para sempre. Oxalá.
*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e não tem muita paciência para velhinhos conservadores.
PS. Abaixo, uma belo registro do carisma de Hebe feito pela minha parceirinha de pauta, a fotógrafa Julia Chequer, para o R7, no dia em que ela voltou à TV:
sábado, 5 de junho de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
bonito, Miguel, muito legal.. parabéns pela luta e pela leveza dos textos. Cheirim,
luiz
gostei muito da sua argumentação. acho que ele não ter nenhum voto diz muito do preconceito da abl sim. abraços!
Miguel, feios são eles da ABL - que não são capazes de reconhecer um grande nome - por preconceito. Mas o que me conforta é que o Martinho já é considerado por muitos, um imortal.
Luca, obrigado pelo velho carinho! Volte quantas vezes quiser. Ainda é meu vizinho de avenida São João? Beijos.
Tobias, o preconceito ficou evidente, né não?
João, é isso aí. Os velhinhos foram uns bobocas mesmo dessa vez!
Postar um comentário