Quando A Vida Não Chega
Por Miguel Arcanjo Prado*
Matheus fazia aniversário dois dias antes de mim. Ele no dia 1º, eu em 3 de dezembro. Em seu último aniversário, quando fez
Meses antes do show, fiz viagens constantes a Belo Horizonte, para acertar os detalhes da apresentação. Um dos encontros foi exclusivamente para começar a direção da atuação dos dois primos. Resolvemos ensaiar em espaço aberto e fomos para a praça JK, na zona sul belo-horizontina, num dia de chuvisco.
Dedicados, ambos estavam com os textos na ponta da língua. Fiz algumas marcações, nada muito grande diante do talento dos dois para serem dirigidos – poucos atores possuem tal característica. Deixaram-se moldar, para dizer o que realmente precisava ser dito naquela noite de exorcismo coletivo.
Juntos, fomos os três à academia de dança na Praça Floriano Peixoto,
Rimos e nos emocionamos todos com aquela união artística cheia de fraternidade. Depois de tudo verificado, comemos sanduíche no trailer no alto da Afonso Pena. Com muito catchup e maionese, enquanto os carros desciam a avenida em busca do Centro.
No dia do show, Matheus foi solícito. Concentrado. Na correria da produção e direção, que eu acumulava ao canto no palco, pedi a Leonardo, ator tarimbado, para auxiliar na limpeza final das cenas dos meninos. Foram para um canto e trabalharam enquanto tempo houve. E fizeram bonito.
O que não sabíamos é que aquele dia marcava o último aniversário de Matheus, comemorado no palco, ao meu lado, representando todo o sofrimento que, naquele momento, eu precisava me livrar.
Depois daquele dia só fui ver Matheus há cerca de dois meses, quando meu primo com cara de indiano veio passar uma semana comigo no apartamento da avenida São João. Corri a cidade cinza com ele, que viu Cauby, Ângela Maria, Jair Rodrigues, os Demônios da Garoa e João Bosco firmarem suas mãos na calçada da esquina das avenidas Ipiranga e São João. Bebemos juntos, fomos ao teatro juntos, dançamos juntos, dormimos juntos.
Estivemos lado a lado como numa despedida sem anúncio em cada instante de Matheus
Ps. Um dos momentos mais lindos da participação de Matheus e Guilherme no show “Revertério – Retrato no Palco” era quando diziam o seguinte texto, que compartilho com vocês, logo após eu cantar “Down em Mim”:
“Fulano (Gilherme): Atrás da porta há tanta coisa
Ciclano (Matheus): Abrem-se tantos universos atrás da porta.
Fulano: Alguns pregos carregados de roupas?
Ciclano: Provavelmente, mas, surpreendentemente, atrás da porta só tinha panos úmidos de lágrimas quentes.
Fulano: Atrás da porta tinha um amante que olhava a fechadura na esperança de ver alguém voltar.
Ciclano: Atrás da porta tinha uma janela entreaberta.
Fulano: O vento tímido trazia alguma coisa de fora.
Ciclano: Apenas, o suficiente para sobreviver.”
(Guilherme de Araújo Gontijo)
*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e amou Matheus Vinicius de Araújo Ribeiro.