domingo, 28 de setembro de 2008

Coluna do Miguel Arcanjo nº 148


Quando A Vida Não Chega

Por Miguel Arcanjo Prado*


Matheus fazia aniversário dois dias antes de mim. Ele no dia 1º, eu em 3 de dezembro. Em seu último aniversário, quando fez 23 anos, ele me interpretou no show “Revertério: Retrato no Palco”, que organizei com amigos queridos para aplacar a dor de um grande amor perdido, no Centro Cultural UFMG, no coração do centro de Belo Horizonte. No palco, fazia par com Guilherme, outro primo querido, autor dos lindos textos que diziam.

Meses antes do show, fiz viagens constantes a Belo Horizonte, para acertar os detalhes da apresentação. Um dos encontros foi exclusivamente para começar a direção da atuação dos dois primos. Resolvemos ensaiar em espaço aberto e fomos para a praça JK, na zona sul belo-horizontina, num dia de chuvisco.

Dedicados, ambos estavam com os textos na ponta da língua. Fiz algumas marcações, nada muito grande diante do talento dos dois para serem dirigidos – poucos atores possuem tal característica. Deixaram-se moldar, para dizer o que realmente precisava ser dito naquela noite de exorcismo coletivo.

Juntos, fomos os três à academia de dança na Praça Floriano Peixoto, em Santa Efigênia, na região hospitalar da capital mineira, ver as coreografias criadas por Joana e seus meninos, Tomaz e Raul, para “A História de Lili Brown” e “Bandeira”, duas canções das mais marcantes do show.

Rimos e nos emocionamos todos com aquela união artística cheia de fraternidade. Depois de tudo verificado, comemos sanduíche no trailer no alto da Afonso Pena. Com muito catchup e maionese, enquanto os carros desciam a avenida em busca do Centro.

No dia do show, Matheus foi solícito. Concentrado. Na correria da produção e direção, que eu acumulava ao canto no palco, pedi a Leonardo, ator tarimbado, para auxiliar na limpeza final das cenas dos meninos. Foram para um canto e trabalharam enquanto tempo houve. E fizeram bonito.

O que não sabíamos é que aquele dia marcava o último aniversário de Matheus, comemorado no palco, ao meu lado, representando todo o sofrimento que, naquele momento, eu precisava me livrar.


Depois daquele dia só fui ver Matheus há cerca de dois meses, quando meu primo com cara de indiano veio passar uma semana comigo no apartamento da avenida São João. Corri a cidade cinza com ele, que viu Cauby, Ângela Maria, Jair Rodrigues, os Demônios da Garoa e João Bosco firmarem suas mãos na calçada da esquina das avenidas Ipiranga e São João. Bebemos juntos, fomos ao teatro juntos, dançamos juntos, dormimos juntos.

Estivemos lado a lado como numa despedida sem anúncio em cada instante de Matheus em Sampa. Até vê-lo partindo rumo ao um sonho de Rio, que, infelizmente, jamais irá se concretizar. Dói muito perder Matheus, tão artista que, tal qual Torquato, disse apenas: chega.

Ps. Um dos momentos mais lindos da participação de Matheus e Guilherme no show “Revertério – Retrato no Palco” era quando diziam o seguinte texto, que compartilho com vocês, logo após eu cantar “Down em Mim”:

“Fulano (Gilherme): Atrás da porta há tanta coisa
Ciclano (Matheus): Abrem-se tantos universos atrás da porta.
Fulano: Alguns pregos carregados de roupas?
Ciclano: Provavelmente, mas, surpreendentemente, atrás da porta só tinha panos úmidos de lágrimas quentes.
Fulano: Atrás da porta tinha um amante que olhava a fechadura na esperança de ver alguém voltar.

Ciclano: Atrás da porta tinha uma janela entreaberta.
Fulano: O vento tímido trazia alguma coisa de fora.

Ciclano: Apenas, o suficiente para sobreviver.”

(Guilherme de Araújo Gontijo)

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e amou Matheus Vinicius de Araújo Ribeiro.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Coluna do Miguel Arcanjo nº147


Cinco jornalistas em cinco anos

Por Miguel Arcanjo Prado*

Tem sempre aqueles que a gente guarda para sempre. Nomes que nos fazem grandes. Nesta profissão chamada jornalismo, eles também existem. Não são muitos, mas sabê-los é primordial. Tanto quanto falar deles.

Josie Jerônimo é a melhor repórter que já conheci nesta vida. Guerreira destemida --como os bons repórteres costumam ser-- sempre foi cheia de idéias. E de papo bom. Sempre viu pauta até onde ela nem sonhou passar. Com nossas conversas resolutas pelo campus Pampulha da UFMG, resolvemos que jamais seríamos peões de redação.

Marcílio Lana foi uma espécie de pai que tive na redação da TV UFMG, onde quase tudo estava por fazer. Homem forte --do tipo que rasgava pautas ruins na cara de quem tivesse feito--, era o talento nato para ensinar na prática, algo tão avesso aos costumes acadêmicos. De cara, vi naquele homem um espelho. Alguem a quem copiar. Em alguns momentos da vida, ter modelos é crucial. Marcílio sabia repreender e elogiar. Ensinou-me coisas simples --e tão importantes-- como a voz certa para gravar um off, ou falar um pouco mais baixo ao entrar ao vivo. Além de ter me ensinado o que é notícia.

As portas da TV Globo me foram abertas por um homem chamado Paulo Valladares. Sem dúvida, um dos maiores jornalistas de Minas Gerais. Ao lado de Paulo, a cada manhã na Globominas.com, aprendi segredos imprescindíveis, tais como a leveza que as coisas mais carregadas de peso não podem deixar de ter. Paulo me ensinou o bom humor para encarar o jornalismo --coisa que mantenho, muitas vezes a duras penas. Com ele, aprendi a ter a certeza de que tudo dá certo no fim.

Foi também na TV Globo que conheci outra jornalista crucial que, com seu trabalho árduo e exemplar na escuta, tornou-me um apaixonado ainda mais pela profissão de João do Rio. Seu nome: Ingrid Kebian, viciada em notícia assim como eu. Identificação imediata de alma e admiração profissional recíproca expressas nos almoços da cantina "global". Com a leveza e o sotaque de uma alma carioca --Ingrid é do Rio--, aprendi com ela o beabá de um jornalismo vivo e cheio de rondas.

Tal qual novamente aprendo a cada manhã da Folha Online, ao lado de Ligia Braslaukas. Está para nascer tanto tesão jornalístico. Minha colega Gabriela Quintela e eu costumamos dizer que queremos ser ela quando crescer. Sem rodeios, sem frescuras, Ligia vai sempre direto ao ponto: a notícia.
Faz os olhos brilhar.

Assim o jornalismo vai passando, na velocidade estonteante das notícias que gritam para ser redigidas a cada instante, deixando minha cabeça muitas vezes tão confusa e tão certa, sobretudo quando me deparo com gente assim.

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista há cinco anos.