quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Coluna do Miguel Arcanjo nº146

Você Já Foi à Bahia?

Por Miguel Arcanjo Prado*

Dorival Caymmi era a síntese de nossa música popular. Um ser único, tão próximo de cada brasileiro, sobretudo os mais propensos a amar a Bahia, terra cantada por ele, mãe do Brasil. Ele era aquele que existia e, só pelo fato de existir, já nos deixava felizes. Dava gosto tê-lo entre nós.


Fui acordado pela morte de Caymmi, na manhã do último sábado (16). De folga, curtia fossa debaixo dos cobertores, quando a editora liga, pedindo ajuda: Caymmi havia morrido e havia muito trabalho pela frente. Levantei, escovei os dentes e fui para a Redação do jeito que estava. Cara amassada e agenda em punho. Falar de Caymmi era preciso.

Mesmo no caso dos devotos da obra do mestre, só aqueles que já foram à Bahia conseguem entendê-la completamente em toda a sua riqueza de significados e matizes. Tal qual o leitor de Jorge Amado só entenderá aquela gente descrita nos livros que rodaram mundo se ver aqueles personagens vivos, nas ladeiras da Cidade da Bahia, ou Roma Negra ou apenas Salvador para os leigos.

É no descer e subir cheio de requebros entre os casarões históricos da Saúde ou do Pelourinho, no movimento dos saveiros na rampa do cais, na chegada dos pescadores em Rio Vermelho, no pular do quebra-mar do Porto da Barra, no avistar do mar da Igreja de Mont Serrat, no amarrar a fitinha defronte à Igreja de Nosso Senhor do Bonfim e na confusão da gente negra da Liberdade é que se entende tudo que Caymmi quis dizer. Que se entende por que ele continuou tão baiano mesmo vivendo maior parte de sua vinda longe da terra natal. É que se entende por que somos assim. Você já foi à Bahia? Não? Então vá!

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e tem alma baiana.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Coluna do Miguel Arcanjo nº 145


A Cirurgia ou Como É Bom Ter Saco

Por Miguel Arcanjo Prado*

Tem gente que o acha horroroso, enrugado, nada “estético”. Outros até gostam, curtem, mas nada de sair por aí declarando tal preferência publicamente. Muitos o usam como sinônimo da santa paciência, cada vez mais escassa. Cássia Eller e tantas outras até que gostariam de ter um. Mas o fato é que, para os homens, e só para eles, tê-lo sempre por ali, molenga, mesmo até quando seu companheiro está mais, digamos, esperto, é algo essencialmente natural. É tão natural que quase nunca pensamos nele.

Pois, no último domingo, tal naturalidade quase que me foi roubada, de uma hora para outra, sem nenhum aviso prévio. Estava eu lá, dormindo, feliz, na manhã dominical, aproveitando o fato de não fazer plantão – os que não são jornalistas, provavelmente não saibam, mas explico aqui: essa classe profissional das palavras noticiosas trabalha quase sempre, incluindo aí feriados santos, profanos e até o dia sagrado para os cristãos – quando, não mais que de repente, veio a maldita dor latejante. Foi de tal intensidade que acordei, meio que nocauteado entre as pernas.

Tomo remédio para dor e nada. A intensidade aumenta à medida que o tempo passa. Não teve outra solução: partir, berrando no banco de trás do táxi, para a Santa Casa. Quem sabe lá haveria alguma misericórdia.

Enquanto as lágrimas rolavam generosas no canto do olho e eu berrava indistintamente, a enfermeira colombiana tentava me acalmar, dizendo o que falam sempre: tudo ia ficar bem. Doutor chega, aperta, aperta. Manda pro ultrassom. Volto e ele vem com o resultado nas mãos. Presto atenção como todo doente, no afã de ouvir logo sua sentença.

- As notícias não são muito boas. Você sofreu uma torção testicular durante o sono. Digamos que seu testículo esquerdo girou dentro do saco escrotal enquanto você dormia, interrompendo a circulação sanguínea. Temos que operar o quanto antes, para salvar [o dito cujo] – diz o doutor, com sua calma de sempre.

E lá vou eu para o bloco cirúrgico. O anestesista é um japonês que não pára de rir nunca. Conta piadas enquanto prepara a geral. Pergunto se não vou ver nada. Não, não vai, ele explica. O cirurgião urologista, doutor Márcio, está compenetrado e apressado. Diz que cada minuto é precioso. Como num passe de mágica durmo e só acordo duas horas depois, quando tudo já estava acabado.

Nada mexe do pescoço pra baixo e só quero tentar esclarecer a dúvida essencial. Viro para o cirurgião e disparo na lata:

- E aí, doutor, ainda tenho saco?

Ele olha pro japonês e ri, antes de afirmar com a cabeça:

- Tem, sim, e com os dois testículos. Deu pra salvar.

Não contente com meu alívio imediato, o japonês brincalhão manda essa:

- Mas tem uma coisa. Tente mexer as pernas, pra ver se você consegue – e sai do bloco cirúrgico, dando gargalhadas, diante da minha cara de bobo ao tentar algo que não conseguiria até passar o efeito da bendita anestesia que ele havia aplicado em mim.

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e convalesce de um saco operado.




terça-feira, 5 de agosto de 2008

Molho



Quando ficava doente, pequeno, minha mãe me dizia que estava de molho. Pois assim me encontro, com direito a mal súbito, leito da Santa Casa paulistana e cirurgia de emergência. Tudo já passou, graças a Deus. Aproveito os fatídicos sete dias de molho para ouvir muita mpb e criar na minha cabeça fervilhante um novo Reverério. Porque, como Nina também costuma dizer, prá frente é que se anda!

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Tempo de festa

Hoje meu amigo Átila Moreno faz 25. O nome é forte como o dono. Parceiro que a Globo me deu. Lembro-me de nós juntos no 4032 a caminho do centro de Belo Horizonte, depois de penar na redação. Falando besteiras, Cazuza na cabeça, eu cantando Maior Abandonado. Rindo daquilo tudo que para tanta gente era tão importante. Logo, nossas almas ficaram juntas. Vivi um grande amor, ele torcendo. Passei por maus bocados, e ele lá junto, firme. Tão nervoso e tão carinhoso. Tão radical em suas opiniões sempre sinceras e incrivelmente certas. Às vezes finjo concordar com ele, só para evitar o embate. Sei que Átila é Leão e eu, Arcanjo. E a vida segue solta e feliz com a certeza de ter um amigo do peito.