domingo, 14 de dezembro de 2008

Coluna do Miguel Arcanjo nº 151


A ida ao Zoológico

Por Miguel Arcanjo Prado*


Queria falar sobre o descaso da polícia paulista com os assassinatos no parque de Carapicuíba, mas acabei, neste exato momento, de mudar o tema desta coluna. Vendo as fotos do recente passeio que meu primo baiano Danilo Ribeiro fez ao Zoológico de São Paulo, dei-me conta de como os passeios ao Zôo de Belo Horizonte eram o que havia de mais feliz na minha pobre, mas rica infância.

Eles aconteciam anualmente, sempre no feriado de 12 de outubro, o esperado Dia das Crianças. Como não havia muita grana para presente, o presente acabava sendo o passeio organizado com afinco por minha mãe, Nina, em parceria com algumas amigas do bairro. Reunia-se o maior número de crianças possível e lá íamos todos, de ônibus mesmo, para o Zoológico na Pampulha. A viagem demorava. Era preciso pegar duas conduções. Uma deles demorava muito a passar e aproveitávamos para chupar laranja no ponto de ônibus da avenida Portugal.

Não sei como minha mãe tinha coragem para despejar aquela quantidade de crianças inconseqüentes no Zôo. Lembro-me que, em um desses passeios, o Abraão, menino peralta e metido a velente, pulou dentro da jaula do hipopótamo. Graças da Deus o bicho estava entediado e não quis lhe fazer mal algum.

O que eu adorava mesmo era ver a família de elefantes: Joca, o pai, Beré, a mãe, Axé, a filhinha, e Chocolate, o caçula. Gostávamos de dar comida escondido aos bichos, o que deixava, com razão, o tratador de cabelo em pé.

O gorila Idi-Amim, cujo nome homenageia o ditador de Uganda, era o mais solitário e triste dos bichos. Mamãe sempre contava que o Zôo estava tentando conseguir uma namorada para ele com zoológicos de outros países. Morríamos de pena e torcíamos para um final feliz para ele.

A hora do lanche era a melhor de todas. Íamos para as proximidades do parquinho de madeira, onde brincávamos por horas intermináveis. Mamãe levava suco de pacotinho sabor guaraná em uma garrafa térmica de cinco litros. Ele conseguia ficar geladinho, mesmo debaixo do sol que sempre fazia. Para comer, pão com mortadela Sadia sentados no lençol estendido na grama. Era o lanche mais delicioso do ano. Simples assim.

Comíamos pão até dizer chega e depois íamos para a parte mais temida do passeio: ver as cobras. Arrepiados, ficávamos hipnotizados diante delas. Bastava um movimentozinho bobo, saímos gritando, amedrontados.

O passeio era completo com o leão, o tigre e o leopardo, que nunca ligavam para nós, os macacos, que adoravam fazer graça, e a majestosa praça das aves, onde fazíamos graça para o pavão abrir a cauda. Depois de rir do pescoço da girafa, assustar com a boca do jacaré e pular dentro da jaula dos jabutis, íamos para a casa no fim do dia, com o sol se pondo. Cansados, suados e felizes. Na volta, antes de dormirmos no embalar do ônibus, fazíamos planos para a visita do próximo ano, tão certa como costuma ser a fé de uma criança.

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e foi uma criança feliz.

PS. Infelizmente, o elefante Joca morreu em 3 de outubro de 1995, vítima de uma infecção no aparelho digestivo, após comer uma garrafa pet jogada na jaula, o que nos deixou imensamente tristes (hoje o esqueleto dele faz parte do acervo do Museu de Ciências Naturais da Puc Minas, em Belo Horizonte). Já o gorila Idi Amin completou 35 anos e continua sem namorada.

domingo, 9 de novembro de 2008

Coluna do Miguel Arcanjo nº150


Ode a Obama

Por Miguel Arcanjo Prado*

Vovó Oneida escutava os discos de Gil no volume máximo. E eu pulava, criança. "Realce" era a minha favorita, a dela, "Super-Homem, a Canção". Vovó, que era da idade de Gil, era feliz por seu neguinho, como ela o chamava de forma carinhosa, existir. Não perdia um show dele, fosse no Palácio das Artes ou no Canecão.

Protagonista em Minas do nascimento social do negro brasileiro, nos anos 70, nos quais o Black-Power ditava a moda nas discotecas recém-inventadas, vovó via com devoção o Ilê Ayê, bloco negro surgido na ladeira do Curuzu, na Liberdade, bairro negro e proletário soteropolitano.

Após um congresso afro de candomblé na Bahia, que ajudou a realizar ao lado de Pierre Verger, Carybé e Jorge Amado, vovó resolveu que fundaria o primeiro bloco afro de Belo Horizonte, o Afoxé Ilê Odara, que surgiu no começo dos anos 80 em desfile pela avenida Afonso Pena, tendo Gil de padrinho e grande incentivador.

Passei os primeiros anos de minha existência desfilando com o Afoxé a cada Carnaval, orgulhoso do sorriso negro que esbanjávamos. Assim foi até a morte de Oneida Maria da Silva Oliveira, a mãe Gigi, em 1988, quando um vazio encerrou aquele último Carnaval, com meu pai puxando melancolicamente o bloco ao som de "Mãe, mãe, mãe, vou sair de Ilê", composta por ele.

Quando, na última semana, vi Obama presidente, a primeira coisa que pensei foi em vovó. Até porque, no sábado anterior, havia estado no novo show do Gil, "Banda Larga Cordel", e pulei quando ele cantou "Realce". Nos dois momentos, tive a certeza que ela ficaria orgulhosa.

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e negro.



Um triste Ps.
Serão leiloadas 578 obras de artes que pertenceram ao casal Jorge Amado e Zélia Gattai. Os filhos dos escritores, Paloma e João Jorge, venderão tudo em um leilão na Soraia Cals, no Rio, entre 18 e 21 de novembro. As obras, que conheci espalhadas pela Casa do Rio Vermelho, quando ainda havia vida alegre por lá, ficarão expostas a partir do dia 12. A venda contraria o desejo de Zélia, minha madrinha querida, que manifestou várias vezes a vontade que as obras integrassem o Memorial da Casa do Rio Vermelho, em Salvador. O projeto nunca saiu do papel e agora foi abortado. Os objetos que contam a vida e as importantes amizades do casal mais importante da literatura brasileira se transformarão em dinheiro. Uma grande pena. Ainda bem que Jorge e Zélia não estão mais aqui para ver tudo isso se perder.


Jorge Amado, João Jorge, Zélia Gattai e Paloma Jorge Amado: os filhos vão vender 578 obras colecionadas pelos pais

sábado, 18 de outubro de 2008

Coluna do Miguel Arcanjo nº 149

Silvana & Roberto

Por Miguel Arcanjo Prado*

Todo mundo sabe que São Paulo não pára. São festas, peças, restaurantes, bares, baladas e tudo quanto é coisa para todos os gostos, bolsos e tipos. Assim sendo, cobrir gente e cultura nesta cidade, coisa que faço há cerca de um ano e meio, é um verdadeiro frenesi. Um batalhão de profissionais faz a cidade acontecer e, no meio de tanta gente, dois nomes são especiais.

A primeira é Silvana Garzaro, que adora gargalhar, mas que quando pisam no calo dela roda a baiana e deixa aflorar toda a quentura do sangue italiano que corre nas veias. Fotógrafa das boas, é capaz de um tudo para ter o clique que deseja e que estampa algumas das principais revistas do país.

Sem qualquer tipo de deslumbre com estrelas, Silvana é capaz de mandar o ator ou atriz do momento ir catar coquinhos, se ele merecer, é claro – coisa que aprendi sem culpa alguma.

Do tipo transparente, deixá-la feliz é ir vê-la tocando em festas e boates badaladas da cidade, já que também arrisca de DJ nas horas vagas e, entre outras coisas, adora ver clássicos de Hollywood, com uma leve preferência para filmes com Bette Davis.

Atrevida a todo instante, Silvana foi responsável por um momento histórico da MPB: sabedora das coisas, certa vez, em Portugal, teve a idéia de apresentar as cantoras Ângela Maria e Maria Rita. Foi graças a Silvana, que a filha de Elis Regina conheceu a mulher de quem sua mãe foi fã. Se quiser a história com mais detalhes, basta perguntar para a própria Silvana, que não tem modéstia alguma em contá-la. Faz muito bem.

O segundo é Roberto Rodrigues, ou Beto para os mais íntimos, o mais novo homem das festas paulistanas. Depois de muito tempo cuidando da publicidade do Grupo Folha e, logo depois, assessorar celebridades de primeiro time em um escritório tarimbado, resolveu alçar seu vôo solo.

Homem experiente e tarimbado no perigoso mundo do glamour, para este paulista de Presidente Prudente não há tempo ruim. Tudo o Roberto resolve. Coisa rara no meio, é do tipo que trata bem não só a celebridade, mas também a imprensa, os garçons, o porteiro e por aí vai.

Dá um alô para todo mundo, cumpre o prometido, está disponível sempre. Atento, solícito. É por isso que não duvido que esse nome ainda vai soar muito por aí. Roberto Rodrigues é só carisma e acho que a melhor imagem para defini-lo é um largo sorriso no rosto, que me lembra a gargalhada de Silvana Garzaro.

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e não é muito de sair à noite, a não ser quando Silvana ou Roberto convocam.

PS. Abaixo, este vosso colunista em foto recente de Silvana Garzaro:

domingo, 28 de setembro de 2008

Coluna do Miguel Arcanjo nº 148


Quando A Vida Não Chega

Por Miguel Arcanjo Prado*


Matheus fazia aniversário dois dias antes de mim. Ele no dia 1º, eu em 3 de dezembro. Em seu último aniversário, quando fez 23 anos, ele me interpretou no show “Revertério: Retrato no Palco”, que organizei com amigos queridos para aplacar a dor de um grande amor perdido, no Centro Cultural UFMG, no coração do centro de Belo Horizonte. No palco, fazia par com Guilherme, outro primo querido, autor dos lindos textos que diziam.

Meses antes do show, fiz viagens constantes a Belo Horizonte, para acertar os detalhes da apresentação. Um dos encontros foi exclusivamente para começar a direção da atuação dos dois primos. Resolvemos ensaiar em espaço aberto e fomos para a praça JK, na zona sul belo-horizontina, num dia de chuvisco.

Dedicados, ambos estavam com os textos na ponta da língua. Fiz algumas marcações, nada muito grande diante do talento dos dois para serem dirigidos – poucos atores possuem tal característica. Deixaram-se moldar, para dizer o que realmente precisava ser dito naquela noite de exorcismo coletivo.

Juntos, fomos os três à academia de dança na Praça Floriano Peixoto, em Santa Efigênia, na região hospitalar da capital mineira, ver as coreografias criadas por Joana e seus meninos, Tomaz e Raul, para “A História de Lili Brown” e “Bandeira”, duas canções das mais marcantes do show.

Rimos e nos emocionamos todos com aquela união artística cheia de fraternidade. Depois de tudo verificado, comemos sanduíche no trailer no alto da Afonso Pena. Com muito catchup e maionese, enquanto os carros desciam a avenida em busca do Centro.

No dia do show, Matheus foi solícito. Concentrado. Na correria da produção e direção, que eu acumulava ao canto no palco, pedi a Leonardo, ator tarimbado, para auxiliar na limpeza final das cenas dos meninos. Foram para um canto e trabalharam enquanto tempo houve. E fizeram bonito.

O que não sabíamos é que aquele dia marcava o último aniversário de Matheus, comemorado no palco, ao meu lado, representando todo o sofrimento que, naquele momento, eu precisava me livrar.


Depois daquele dia só fui ver Matheus há cerca de dois meses, quando meu primo com cara de indiano veio passar uma semana comigo no apartamento da avenida São João. Corri a cidade cinza com ele, que viu Cauby, Ângela Maria, Jair Rodrigues, os Demônios da Garoa e João Bosco firmarem suas mãos na calçada da esquina das avenidas Ipiranga e São João. Bebemos juntos, fomos ao teatro juntos, dançamos juntos, dormimos juntos.

Estivemos lado a lado como numa despedida sem anúncio em cada instante de Matheus em Sampa. Até vê-lo partindo rumo ao um sonho de Rio, que, infelizmente, jamais irá se concretizar. Dói muito perder Matheus, tão artista que, tal qual Torquato, disse apenas: chega.

Ps. Um dos momentos mais lindos da participação de Matheus e Guilherme no show “Revertério – Retrato no Palco” era quando diziam o seguinte texto, que compartilho com vocês, logo após eu cantar “Down em Mim”:

“Fulano (Gilherme): Atrás da porta há tanta coisa
Ciclano (Matheus): Abrem-se tantos universos atrás da porta.
Fulano: Alguns pregos carregados de roupas?
Ciclano: Provavelmente, mas, surpreendentemente, atrás da porta só tinha panos úmidos de lágrimas quentes.
Fulano: Atrás da porta tinha um amante que olhava a fechadura na esperança de ver alguém voltar.

Ciclano: Atrás da porta tinha uma janela entreaberta.
Fulano: O vento tímido trazia alguma coisa de fora.

Ciclano: Apenas, o suficiente para sobreviver.”

(Guilherme de Araújo Gontijo)

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e amou Matheus Vinicius de Araújo Ribeiro.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Coluna do Miguel Arcanjo nº147


Cinco jornalistas em cinco anos

Por Miguel Arcanjo Prado*

Tem sempre aqueles que a gente guarda para sempre. Nomes que nos fazem grandes. Nesta profissão chamada jornalismo, eles também existem. Não são muitos, mas sabê-los é primordial. Tanto quanto falar deles.

Josie Jerônimo é a melhor repórter que já conheci nesta vida. Guerreira destemida --como os bons repórteres costumam ser-- sempre foi cheia de idéias. E de papo bom. Sempre viu pauta até onde ela nem sonhou passar. Com nossas conversas resolutas pelo campus Pampulha da UFMG, resolvemos que jamais seríamos peões de redação.

Marcílio Lana foi uma espécie de pai que tive na redação da TV UFMG, onde quase tudo estava por fazer. Homem forte --do tipo que rasgava pautas ruins na cara de quem tivesse feito--, era o talento nato para ensinar na prática, algo tão avesso aos costumes acadêmicos. De cara, vi naquele homem um espelho. Alguem a quem copiar. Em alguns momentos da vida, ter modelos é crucial. Marcílio sabia repreender e elogiar. Ensinou-me coisas simples --e tão importantes-- como a voz certa para gravar um off, ou falar um pouco mais baixo ao entrar ao vivo. Além de ter me ensinado o que é notícia.

As portas da TV Globo me foram abertas por um homem chamado Paulo Valladares. Sem dúvida, um dos maiores jornalistas de Minas Gerais. Ao lado de Paulo, a cada manhã na Globominas.com, aprendi segredos imprescindíveis, tais como a leveza que as coisas mais carregadas de peso não podem deixar de ter. Paulo me ensinou o bom humor para encarar o jornalismo --coisa que mantenho, muitas vezes a duras penas. Com ele, aprendi a ter a certeza de que tudo dá certo no fim.

Foi também na TV Globo que conheci outra jornalista crucial que, com seu trabalho árduo e exemplar na escuta, tornou-me um apaixonado ainda mais pela profissão de João do Rio. Seu nome: Ingrid Kebian, viciada em notícia assim como eu. Identificação imediata de alma e admiração profissional recíproca expressas nos almoços da cantina "global". Com a leveza e o sotaque de uma alma carioca --Ingrid é do Rio--, aprendi com ela o beabá de um jornalismo vivo e cheio de rondas.

Tal qual novamente aprendo a cada manhã da Folha Online, ao lado de Ligia Braslaukas. Está para nascer tanto tesão jornalístico. Minha colega Gabriela Quintela e eu costumamos dizer que queremos ser ela quando crescer. Sem rodeios, sem frescuras, Ligia vai sempre direto ao ponto: a notícia.
Faz os olhos brilhar.

Assim o jornalismo vai passando, na velocidade estonteante das notícias que gritam para ser redigidas a cada instante, deixando minha cabeça muitas vezes tão confusa e tão certa, sobretudo quando me deparo com gente assim.

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista há cinco anos.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Coluna do Miguel Arcanjo nº146

Você Já Foi à Bahia?

Por Miguel Arcanjo Prado*

Dorival Caymmi era a síntese de nossa música popular. Um ser único, tão próximo de cada brasileiro, sobretudo os mais propensos a amar a Bahia, terra cantada por ele, mãe do Brasil. Ele era aquele que existia e, só pelo fato de existir, já nos deixava felizes. Dava gosto tê-lo entre nós.


Fui acordado pela morte de Caymmi, na manhã do último sábado (16). De folga, curtia fossa debaixo dos cobertores, quando a editora liga, pedindo ajuda: Caymmi havia morrido e havia muito trabalho pela frente. Levantei, escovei os dentes e fui para a Redação do jeito que estava. Cara amassada e agenda em punho. Falar de Caymmi era preciso.

Mesmo no caso dos devotos da obra do mestre, só aqueles que já foram à Bahia conseguem entendê-la completamente em toda a sua riqueza de significados e matizes. Tal qual o leitor de Jorge Amado só entenderá aquela gente descrita nos livros que rodaram mundo se ver aqueles personagens vivos, nas ladeiras da Cidade da Bahia, ou Roma Negra ou apenas Salvador para os leigos.

É no descer e subir cheio de requebros entre os casarões históricos da Saúde ou do Pelourinho, no movimento dos saveiros na rampa do cais, na chegada dos pescadores em Rio Vermelho, no pular do quebra-mar do Porto da Barra, no avistar do mar da Igreja de Mont Serrat, no amarrar a fitinha defronte à Igreja de Nosso Senhor do Bonfim e na confusão da gente negra da Liberdade é que se entende tudo que Caymmi quis dizer. Que se entende por que ele continuou tão baiano mesmo vivendo maior parte de sua vinda longe da terra natal. É que se entende por que somos assim. Você já foi à Bahia? Não? Então vá!

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e tem alma baiana.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Coluna do Miguel Arcanjo nº 145


A Cirurgia ou Como É Bom Ter Saco

Por Miguel Arcanjo Prado*

Tem gente que o acha horroroso, enrugado, nada “estético”. Outros até gostam, curtem, mas nada de sair por aí declarando tal preferência publicamente. Muitos o usam como sinônimo da santa paciência, cada vez mais escassa. Cássia Eller e tantas outras até que gostariam de ter um. Mas o fato é que, para os homens, e só para eles, tê-lo sempre por ali, molenga, mesmo até quando seu companheiro está mais, digamos, esperto, é algo essencialmente natural. É tão natural que quase nunca pensamos nele.

Pois, no último domingo, tal naturalidade quase que me foi roubada, de uma hora para outra, sem nenhum aviso prévio. Estava eu lá, dormindo, feliz, na manhã dominical, aproveitando o fato de não fazer plantão – os que não são jornalistas, provavelmente não saibam, mas explico aqui: essa classe profissional das palavras noticiosas trabalha quase sempre, incluindo aí feriados santos, profanos e até o dia sagrado para os cristãos – quando, não mais que de repente, veio a maldita dor latejante. Foi de tal intensidade que acordei, meio que nocauteado entre as pernas.

Tomo remédio para dor e nada. A intensidade aumenta à medida que o tempo passa. Não teve outra solução: partir, berrando no banco de trás do táxi, para a Santa Casa. Quem sabe lá haveria alguma misericórdia.

Enquanto as lágrimas rolavam generosas no canto do olho e eu berrava indistintamente, a enfermeira colombiana tentava me acalmar, dizendo o que falam sempre: tudo ia ficar bem. Doutor chega, aperta, aperta. Manda pro ultrassom. Volto e ele vem com o resultado nas mãos. Presto atenção como todo doente, no afã de ouvir logo sua sentença.

- As notícias não são muito boas. Você sofreu uma torção testicular durante o sono. Digamos que seu testículo esquerdo girou dentro do saco escrotal enquanto você dormia, interrompendo a circulação sanguínea. Temos que operar o quanto antes, para salvar [o dito cujo] – diz o doutor, com sua calma de sempre.

E lá vou eu para o bloco cirúrgico. O anestesista é um japonês que não pára de rir nunca. Conta piadas enquanto prepara a geral. Pergunto se não vou ver nada. Não, não vai, ele explica. O cirurgião urologista, doutor Márcio, está compenetrado e apressado. Diz que cada minuto é precioso. Como num passe de mágica durmo e só acordo duas horas depois, quando tudo já estava acabado.

Nada mexe do pescoço pra baixo e só quero tentar esclarecer a dúvida essencial. Viro para o cirurgião e disparo na lata:

- E aí, doutor, ainda tenho saco?

Ele olha pro japonês e ri, antes de afirmar com a cabeça:

- Tem, sim, e com os dois testículos. Deu pra salvar.

Não contente com meu alívio imediato, o japonês brincalhão manda essa:

- Mas tem uma coisa. Tente mexer as pernas, pra ver se você consegue – e sai do bloco cirúrgico, dando gargalhadas, diante da minha cara de bobo ao tentar algo que não conseguiria até passar o efeito da bendita anestesia que ele havia aplicado em mim.

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e convalesce de um saco operado.




terça-feira, 5 de agosto de 2008

Molho



Quando ficava doente, pequeno, minha mãe me dizia que estava de molho. Pois assim me encontro, com direito a mal súbito, leito da Santa Casa paulistana e cirurgia de emergência. Tudo já passou, graças a Deus. Aproveito os fatídicos sete dias de molho para ouvir muita mpb e criar na minha cabeça fervilhante um novo Reverério. Porque, como Nina também costuma dizer, prá frente é que se anda!

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Tempo de festa

Hoje meu amigo Átila Moreno faz 25. O nome é forte como o dono. Parceiro que a Globo me deu. Lembro-me de nós juntos no 4032 a caminho do centro de Belo Horizonte, depois de penar na redação. Falando besteiras, Cazuza na cabeça, eu cantando Maior Abandonado. Rindo daquilo tudo que para tanta gente era tão importante. Logo, nossas almas ficaram juntas. Vivi um grande amor, ele torcendo. Passei por maus bocados, e ele lá junto, firme. Tão nervoso e tão carinhoso. Tão radical em suas opiniões sempre sinceras e incrivelmente certas. Às vezes finjo concordar com ele, só para evitar o embate. Sei que Átila é Leão e eu, Arcanjo. E a vida segue solta e feliz com a certeza de ter um amigo do peito.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Razão de Ser



Escrevo.
E pronto.
Escrevo porque preciso,
Preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?




Paulo Leminski