domingo, 9 de novembro de 2008

Coluna do Miguel Arcanjo nº150


Ode a Obama

Por Miguel Arcanjo Prado*

Vovó Oneida escutava os discos de Gil no volume máximo. E eu pulava, criança. "Realce" era a minha favorita, a dela, "Super-Homem, a Canção". Vovó, que era da idade de Gil, era feliz por seu neguinho, como ela o chamava de forma carinhosa, existir. Não perdia um show dele, fosse no Palácio das Artes ou no Canecão.

Protagonista em Minas do nascimento social do negro brasileiro, nos anos 70, nos quais o Black-Power ditava a moda nas discotecas recém-inventadas, vovó via com devoção o Ilê Ayê, bloco negro surgido na ladeira do Curuzu, na Liberdade, bairro negro e proletário soteropolitano.

Após um congresso afro de candomblé na Bahia, que ajudou a realizar ao lado de Pierre Verger, Carybé e Jorge Amado, vovó resolveu que fundaria o primeiro bloco afro de Belo Horizonte, o Afoxé Ilê Odara, que surgiu no começo dos anos 80 em desfile pela avenida Afonso Pena, tendo Gil de padrinho e grande incentivador.

Passei os primeiros anos de minha existência desfilando com o Afoxé a cada Carnaval, orgulhoso do sorriso negro que esbanjávamos. Assim foi até a morte de Oneida Maria da Silva Oliveira, a mãe Gigi, em 1988, quando um vazio encerrou aquele último Carnaval, com meu pai puxando melancolicamente o bloco ao som de "Mãe, mãe, mãe, vou sair de Ilê", composta por ele.

Quando, na última semana, vi Obama presidente, a primeira coisa que pensei foi em vovó. Até porque, no sábado anterior, havia estado no novo show do Gil, "Banda Larga Cordel", e pulei quando ele cantou "Realce". Nos dois momentos, tive a certeza que ela ficaria orgulhosa.

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e negro.



Um triste Ps.
Serão leiloadas 578 obras de artes que pertenceram ao casal Jorge Amado e Zélia Gattai. Os filhos dos escritores, Paloma e João Jorge, venderão tudo em um leilão na Soraia Cals, no Rio, entre 18 e 21 de novembro. As obras, que conheci espalhadas pela Casa do Rio Vermelho, quando ainda havia vida alegre por lá, ficarão expostas a partir do dia 12. A venda contraria o desejo de Zélia, minha madrinha querida, que manifestou várias vezes a vontade que as obras integrassem o Memorial da Casa do Rio Vermelho, em Salvador. O projeto nunca saiu do papel e agora foi abortado. Os objetos que contam a vida e as importantes amizades do casal mais importante da literatura brasileira se transformarão em dinheiro. Uma grande pena. Ainda bem que Jorge e Zélia não estão mais aqui para ver tudo isso se perder.


Jorge Amado, João Jorge, Zélia Gattai e Paloma Jorge Amado: os filhos vão vender 578 obras colecionadas pelos pais

2 comentários:

Laly Cataguases disse...

"Realce" é realmente uma das melhores músicas do Preto Gil. Vamos torcer que Obama consiga todo o realce que merece pra fazer um bom governo. Engraçado como um cara com um nome tão "terrorista" (Barack Hussein Obama), que tinha tudo para não chegar "lá", conseguiu esse grande feito. Não deve ser à toa.

Anônimo disse...

Cheguei a seu blog procurando informações sobre o Ilê Odara, grupo no qual desfilei na Av. Afonso Pena durante alguns anos. Lembro-me daquela época com muita saudade. Os ensaios, o desfile, a energia... Foi uma época muito boa e pena que após a morte de sua avó o grupo acabou.

Não consegui localizar nenhuma foto do grupo na internet. Seria interessante que se mantivesse um registro histórico do grupo que teve tantas pessoas envolvidas.

grande abraço.

Reginaldo Rosa
reginaldobhz@bol.com.br