domingo, 22 de agosto de 2010

Coluna do Miguel Arcanjo nº 171

Que saudade da Cássia!

Por Miguel Arcanjo Prado*


Uma coluna como esta às vezes traz boas surpresas. A última, deliciosa, foi um e-mail que recebi de Cássia Teixeira Campos, minha melhor amiga dos tempos de colégio, hoje turismóloga respeitada com diploma da Universidade Federal de Ouro Preto. Em seu e-mail, com razão, Cássia queixou-se do meu desaparecimento e de só saber das minhas andanças por meio de meus textos. E confessou: anda muito nostálgica nesses dias.

Eu também. Que saudade dos tempos em que acordava às seis da manhã, tomava o café correndo e descia desenfreado a rua Madre Tereza, cruzava as avenidas Vilarinhos e Padre Pedro Pinto até chegar à rua de Cássia, onde batia em seu portão e ela aparecia sonolenta para, juntos, caminharmos até a Escola Estadual Santos Dumont, em Belo Horizonte, onde cursamos juntos o Ensino Médio.

Cássia chegou na escola ressabiada, vinda de Três Corações, no sul de Minas, transferida com a família para a capital. Logo, com seus cabelos pretos encaracolados que contrastavam com os olhos verdes enormes, conquistou todo mundo. Se bem que nosso colega Ricardo de Andrade Barcellos, hoje terminando o curso de engenharia civil na UFMG, sempre teimou que os olhos da Cássia são azuis. Eu nunca soube esta verdade.

Inteligentíssima, Cássia sempre rivalizou comigo e com Thiago Nascimento Rodrigues – o CDF da sala – em quem tinha as notas mais altas da turma. Mas, ao contrário de Thiago, que adorava competir, Cássia nem ligava para isso, já que não concentrava seu saber apenas na matemática ou história, mas também nas relações humanas. Em poucas semanas ela já era a menina mais popular da sala. Todo mundo queria ser amigo da Cássia.

Escritora nata, adorava mandar cartas para as amigas que havia deixado em Três Corações, para as quais, em pouquíssimo tempo, passei a escrever também, fazendo uso do selo social, dádiva governamental que permite mandar carta de até dez gramas pagando apenas um centavo – é assim até hoje.

Politizada, Cássia era esquerdista, sonhava em ver o Lula presidente e tinha pavor quando eu falava que ACM era bom para a Bahia, influenciado pelo pensamento de minha madrinha, Zélia Gattai. Ela queria me matar.

Culta, vivia na biblioteca. Lia Machado, Guimarães, Jorge. Mas nunca ganhou de mim na quantidade de livros retirados por ano. Nessa categoria sempre fui imbatível, com no mínimo 60 livros lidos no ano letivo, o que me fazia o queridinho da bibliotecária.

A volta da aula, no horário do almoço, também sempre era uma festa. Levávamos horas, parando em todas as lojas possíveis da avenida Padre Pedro Pinto. Mas uma era obrigatória: a paradinha no supermercado Êpa, para comprar sorvete. Na maioria das vezes, Cássia pagava para mim. De morango, eu pedia.

E as festas da Cássia, então? Todo o colégio disputava a dádiva de ser convidado. Aniversariante em pleno Dia de Finados, 2 de novembro, ela nunca se fez de rogada. Muito pelo contrário, aproveitava o feriado para encher a casa de gente.

Os 18 anos da Cássia, às vésperas da chega do fatídico ano 2000, foi um verdadeiro acontecimento, uma espécie de catarse coletiva, já que o nosso segundo grau chegava também ao fim naquele ano cheio de presságios. Era o fim de uma era e à nossa frente restavam apenas a incerteza dos vestibulares da UFMG e da UFOP. Por isso, todos naquela festa aproveitamos cada minuto para esquecer a vida adulta que teimava em bater à porta.

De família vinda de São João Evangelista, cidadezinha nos arredores de Guanhães, no leste de Minas, fartura sempre foi palavra pequena para definir as festas de Cássia: churrasco, arroz à grega e salpicão – cuja receita foi incorporada por minha mãe, que chama o prato delicioso até hoje de “Salpicão da Cássia” –; e também bolo e toneladas de sorvete em potes industriais.

Foi nos 18 anos da Cássia que beijei pela primeira vez a minha primeira namorada, Bruna Lima, hoje fazendo mestrado em Letras, em Paris. Foi bem no finzinho da festa, jamais vou me esquecer. Cássia armou tudo nos mínimos detalhes até ficarmos os dois, sozinhos, no portão de sua casa. É claro que não tinha como não rolar. Danada, essa Cássia. Que saudade!

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e faz questão de estar na próxima festa da Cássia.

domingo, 8 de agosto de 2010

Amigo é coisa pra se guardar...


Os verdadeiros amigos são para sempre. Como é o caso de Rafael Brischiliari, meu amigo "Paraná" dos tempos do curso de comunicação na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, a Fafich, na UFMG. Posso ficar meses e até anos sem vê-lo, mas quando a gente se reencontra, é como se o último tchau tivesse soado há menos de 24 horas. A fotógrafa Daia Oliver registrou nosso encontro mais recente, no dia 9 de junho de 2010, em São Paulo. Com Rafa e eu lado a lado nunca há tempo feio. A gente sempre se entende.

Coluna do Miguel Arcanjo nº 170

No primeiro debate, venceu o futebol

Por Miguel Arcanjo Prado*


Tudo bem, eu já sei que ninguém viu inteirinho o primeiro debate entre os candidatos à Presidência da República na noite da última quinta, na Band. Mas como os tempos são do controle remoto, é claro que todo mundo deu uma passadinha para conferir como o quarteto fantástico estava se saindo. O resultado foi único: uma dureza só.


Saudades dos tempos em que o debate era a própria representação do bem contra o mal. Como em 1989, com o barbudão Lula contra o mauricinho Collor. Os tempos da Nova República até davam ao telespectador o direito escolher, de acordo com suas faculdades mentais, quem era o bem e quem era o mal. Se bem que depois a Globo editou tudo e escolheu quem era o herói – que pouco tempo depois virou o vilão...

Na eleição atual a briga só esquenta quando entra na pauta a falta de carisma. Talvez seja por isso que o Plínio Arruda Sampaio, o candidato do PSOL, tenha sido o bamba do primeiro debate, figurando como o rei dos comentários no Twitter, a tal rede social na qual todo mundo sai falando o que bem entende. Com sua cara de duende mágico, Plínio não demonstrou vergonha alguma ao propagar seu pensamento político em desuso desde que os crimes de Stalin foram revelados. Mas pelo menos ele divertiu a plateia. Aliás, foi a única diversão.

Marina Silva, pobrezinha, foi a certinha de sempre quando o assunto era ecologia, mas faltou-lhe viço. Ficou lá em sua bancada, fraquinha, magrinha, toda corretinha. A representante do Partido Verde não renegou o passado petista, não atacou os tucanos. Só queria mostrar sua proposta cheia de boas intenções para um futuro sustentável para todos nós. Que bom, né?

Agora, quando a câmera chegou aos dois protagonistas da eleição, foi difícil saber quem tentava melhor esconder a alma de lobo sob a pele de cordeiro. Mas logo um deles se sobressaiu: o tucano José Serra, bem mais preparado para o jogo midiático do que a petista Dilma Rousseff.

A candidata de Lula mostrou que está a anos-luz do traquejo de Serra diante das câmeras. O ex-governador de São Paulo consegue fingir melhor ser simpático – se bem que a filha dele pediu que o político sorrisse mais. Dilma ainda está carrancuda, claramente desconfortável com essa história de maquiagem e falar para a câmera certa. Mas até que tentou, tadinha. Se não acertou, pelo menos não errou. O que já é um grande saldo.

O resultado de tanta falta de gosto foi o que aconteceu: míseros 3 pontos no Ibope para do debate presidencial, contra 31 do jogo entre Inter e São Paulo pela Libertadores, exibido pela astuta Globo. No primeiro debate, venceu o futebol.

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É completamente estapafúrdia a Lei Eleitoral que proíbe os humoristas de fazerem piada com os candidatos. Agora, nem rir dos excomungados a gente pode mais. CQCs, Pânicos e Cassetas já anunciam uma passeata contra a censura que deve sacudir a praia de Copacabana no próximo dia 22. O Brasil está cada vez mais careta. E sem graça. Pobres de nós!

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e a favor do desbunde.