sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Coluna do Miguel Arcanjo nº 173


Ilustração: Loredano

O senhor vai votar na Dilma, né?

Por Miguel Arcanjo Prado*

Nesta sexta-feira, cheguei morto da redação em casa, gripado, cansado. Meu porteiro me aguardava em frente ao elevador com um sorriso todo simpático no rosto.

Logo pensei: aí vem piadinha pela frente, já que ele tem um humor que nem um tsunami consegue abalar. E qual não foi a surpresa quando ele vaticinou, num tom todo curioso:

- O senhor vai votar na Dilma no domingo, né?

Resolvi jogar pesado e não dei a certeza que ele tanto queria. Contestei com outra pergunta:

- Por quê?

Logo ele me pôs a explicar, num tom professoral.

- Porque ela vai continuar tudo o que o Lula fez pela gente, né? Se o outro ganha eu não boto fé... Muda tudo pra pior.

Fiz-me de rogado e quis saber qual seria esse tão aclamado feito do tal do Lula por todos nós. Ele continuou, mais empolgado e confiante.

- O Lula pagou toda a nossa dívida. Porque antes só queriam ir lá no estrangeiro e pedir emprestado para colocar tudo no bolso. O Lula, não. Ele pagou tudo. A gente agora não deve nada a ninguém.

Continuei dando corda. Seu João respirou fundo e prosseguiu o discurso.

- Agora a gente tem emprego, né. Eu mesmo, já fiquei muito na fila do desemprego e sei como é. E os pobres estão todinhos de barriga cheia. Antes era aquela fome, a gente não conseguia comprar biscoito e iogurte pros meninos. Agora dá para comprar.

Resolvi bancar o indignado e disse que, apesar disso tudo, ainda faltava melhorar muita coisa. Para minha surpresa, seu João concordou.

- Sim, falta muita coisa. Mas o Lula já deixou tudo no ponto para ela fazer. Agora, se o outro ganha, eu não sei não...

Ao ver que o elevador chegava no térreo, ele lembrou-se de satisfazer a sua curiosidade inicial.

- Mas o senhor, “seu” Miguel, vai votar na Dilma domingo, né?

Resolvi terminar logo com aquele sofrimento, até porque estava louco para subir, tomar um banho, comer e me atirar no sofá da sala para ver o debate da Globo debaixo das cobertas. Enquanto entrava no elevador, respondi:

- Vou, sim, seu João. Vou votar na Dilma. E sabe por quê? Porque eu assino embaixo em tudo o que o senhor disse.

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e fica feliz quando descobre que pessoas a quem admira têm uma visão de mundo parecida com a dele.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Coluna do Miguel Arcanjo nº 172



A simplicidade da felicidade

Por Miguel Arcanjo Prado*

A felicidade é simples como a pluma que o vento leva solta pelo ar, já dizia o poetinha que todos nós amamos, Vinicius de Moraes. Hoje, por exemplo, ela se fez diante dos meus olhos no menino que foi trabalhar com seu pai, motorista de ônibus na linha que liga Buenos Aires a Quilmes, município nos arredores, nesta segunda-feira de feriado argentino.

Feliz, a criança admirava seu progenitor com um olhar expressivo que tudo já dizia. Pequenino, abraçava as pernas de seu pai, concentrado em conduzir o veículo sem perder, contudo, a ternura daquele gesto, homem de tantas responsabilidades e dono de uma profissão que enchia de encanto os olhos daquele menino.

Seu pai era o responsável por conduzir toda aquela gente, cansada e espremida, para seus – poucos e, por isso, tão importantes – minutos de felicidade e paz no restante daquele dia regido pelo sol majestoso que se exibia lá fora pela janela.

A simples saída de Buenos Aires para a pacata Quilmes explicita o que é tão necessário e que, muitas vezes, deixamos de lado: o parar simplesmente para refletir a quanto anda nossa cota de felicidade. Muitas vezes, em nome de muita coisa que vamos esquecer logo depois, deixamos de lado a busca pelo sorriso farto e o bem estar.

Ser feliz é apenas estar em paz. De bem consigo mesmo e com o que há ao seu redor. Se não é possível mudar esse mundo que muitas vezes se pinta cheio de gente feia, careta, direitista e idiota, talvez basta que ignoremos essa turma que não vale a pena e abramos nossos olhos para aquelas pessoas que nos transmitem coisas boas – pode parecer mentira, mas elas existem, sim. Está bem, sei que não são muitas, mas as poucas que restam muitas vezes cruzam nossos caminhos.

E, para ser certeiro nesses momentos preciosos, é preciso estar atento e forte, como na canção do Caetano, sem tempo para temer a morte. É preciso criar o tempo para a vida – de fato, a que vale a pena. Para curtir a simplicidade que a traduz. Porque no final, é o simples que vai ficar. Coisas como um almoço de feriado feito com carinho, o silêncio de uma leitura de jornal compartida, a escolha da boa música que encherá o ambiente de alegria, aquele olhar cheio de silêncio e de significado junto às mãos entrelaçadas sob o sol que atesta que, sim, é possível ser feliz.

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e é um homem feliz.