domingo, 12 de fevereiro de 2012

Coluna do Miguel Arcanjo nº 180



Você já foi à Bahia, nega? Então, não vá!

Por Miguel Arcanjo Prado*


Se Jorge Amado e Dorival Caymmi ainda estivessem vivos, provavelmente morreriam de desgosto ao ver o que a Bahia se tornou. E não estou falando da comentada greve da PM baiana. Antes o problema fosse um grupo de policiais em motim.

Em 2000, ano anterior ao da morte do escritor, Salvador registrou 315 homicídios, o que já deveria ser um absurdo se comparado aos tempos dos Capitães da Areia. Mas tudo ainda poderia piorar. E muito. Uma década depois, 2010 fechou a conta com 1.484 assassinatos na capital baiana. Um crescimento para o governador Jaques Wagner morrer de vergonha.

Ainda menino, lendo os livros de Jorge e escutando as músicas de Caymmi, aprendi que a Bahia é terra de gente cordial e de paz. E pude ver isso na prática. Desde os tempos de férias com minha avó Oneida no Grande Hotel da Barra, nos anos 80, convivi de perto com o povo baiano.

Adorava, menino, passear com na companhia materna pelo Mercado Modelo, andar com minhas tias pelas ruas do Pelô, ainda caindo aos pedaços, e comer batata frita com queijo no Terreiro de Jesus. Mas o caos estava por vir.

E ele veio nos últimos 20 anos, com o crescimento desordenado e o acirramento das desigualdades sociais e raciais, que colocam brancos e ricos de um lado e negros e pobres de outro. Triste cenário baiano atual.

Volto a Jorge Amado, que, na boca de seu personagem mulato Pedro Archanjo, no livro Tenda dos Milagres, defendia a miscigenação como única possibilidade de salvar a Bahia da segregação racial.

Passei os últimos três Carnavais em Salvador. E a lembrança mais forte que ficou na minha mente era caminhar pelas ruas, povoada de gente pobre e negra, vendendo cervejas, churrasquinhos e ou qualquer coisa que possibilitasse defender um dinheirinho em cima dos turistas, e, ao entrar nos camarotes das estrelas baianas, ver, de repente, todo mundo ficar branco – a não ser quem servia e eu.

Ainda criança, eu me lembro de frequentar os ensaios do Olodum, no Pelourinho, e cantar, a plenos pulmões, letras políticas do grupo, como Povo Comum Pensar e Protesto Olodum, que iam fundo na cultura e nos problemas baianos. No último Carnaval, tive vergonha ao ver a mesma Bahia, pobre, violentada e sem dentes, do lado de fora da corda dos trios, fantasiada de Superman e Mulher Maravilha e se autodenominando “Salvador City”. Cômico, se não fosse tão triste.

Pobre Jorge. Pobre Caymmi. Pobre Bahia.

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista, mineiro de alma baiana, mas está feliz por não passar o próximo Carnaval em Salvador.