domingo, 15 de novembro de 2009
Coluna do Miguel Arcanjo nº 162
O caso de Geisy Arruda e a hipocrisia nossa de cada dia
Por Miguel Arcanjo Prado*
Para Mara Manzan, querida atriz e mulher libertária que nos deixou na última sexta
Causa-me espanto ver pessoas próximas, supostamente inteligentes, modernas e descoladas, moradoras da maior cidade deste país chamada São Paulo, apedrejarem com todas as pedras, tal qual fariseus hipócritas, a estudante Geisy Arruda, aquela que foi expulsa da Universidade Bandeirante, a Uniban, em São Bernardo do Campo (SP), xingada de “puta” por colegas de cérebro atrofiado.
Há até os que condenam tal atitude selvagem dos estudantes diante da jovem, porém sempre emendam suas falas com um “mas...” cheio de argumentos falaciosos sobre o tal vestido curto que a moça usava como efeito provocador de sua desgraça pública. Quanta hipocrisia.
A mim pouco importa que Geisy seja uma garota de 20 anos que goste de provocar os homens, como há tantas neste país cheio de libido e conhecido no mundo todo por ela. Isso não diminui a violência que ela sofreu nem a justifica de maneira alguma.
Como se não bastasse, a selvageria dos estudantes chegou até a direção da tal “universidade” que decidiu expulsar a garota, talvez porque seja mais fácil punir a vítima solitária do que o bando de alunos que alimentam os cofres da instituição que provou ser tão vazia como o cérebro de muitos alunos que a frequentam.
Graças a meu bom Deus, não tive o desprazer de estudar na Uniban. Cursei metade de geografia e o curso inteiro de comunicação social na Universidade Federal de Minas Gerais, a minha agora ainda mais querida UFMG, onde, em dias quentes de verão, ia sem nenhuma culpa de short, camiseta e meu bom e inseparável chinelo havaianas.
Minhas colegas de sala usavam nos pés o mesmo calçado leve, com tops ou miniblusas que deixavam suas barrigas à mostra, e também minissaias que, por sua vez, deixavam suas pernas descobertas, como faziam na geografia minhas amigas, a loura brasileira Maíra Nogueira e a mulata cabo-verdiana Euda Miranda, duas das figuras mais inteligentes e dedicadas ao estudo em minha turma.
Nunca ouvi um chiado sequer sobre a barriga ou as pernas das garotas. Creio eu que tal coisa jamais seria tolerada naquele ambiente, no qual o importante era o conhecimento, não as tais “roupas adequadas”, que mais me lembram o velho e medonho discurso das reuniões das senhoras católicas em defesa de Deus, da família e da propriedade, de poucas e tristes décadas passadas.
Geisy e seu vestido mostraram a todo o Brasil como há hipocrisia e preconceito escondidos e prontos para vir à tona a qualquer momento entre nós. Diante deste caso, de sua repercussão e dos disparates diários sobre o não uso de “roupas adequadas” como justificativa silenciosa para a execração de uma mulher publicamente, tal qual romanos faziam com cristãos, me dá vergonha de pertencer à mesma geração que tais defensores da moral e dos bons costumes. Pobre de Geysi. Pobre do Brasil. Pobre de mim. Pobre de nós.
*Miguel Arcanjo Prado é jornalista, não suporta gente que não tenta rever seus preconceitos e acredita que as pessoas são muito mais, ou menos, do que vestem.
Foto: Julia Chequer/R7
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6 comentários:
Completamente de acordo, Mi. Quando vi a notícia pela internet, não acreditei que isso pudesse acontecer por aí. Coitados daqueles que estudam nessa universidade, com gente tão retrógrada e convervadora.
Bjos!
Fer
Oi Miguel!
Quando vi as noticias sobre este incidente fiquei chocado.
Estou na fria Inglaterra mas consigo ver como aqui as pessoas sao mais tolerantes com a diversidade em todos aspectos.
As meninas usam saias muito mais curtas que este vestido, mesmo na neve...
Ontem na minha sala tinha um aluno de origem arabe de turbante, e uma aluna de veu deixando so o rosto de fora.
Abracos, saudades.
Falou tudo, Miguelito!
E que Deus me ajude a rever os meus preconceitos e me livrar deles....
Beijos,
Meu querido alimentador de ideias!
Adorei o texto, como sempre, agora, principalmente, este finalzinho genial que espero copiar um dia, sem dó nem piedade, mas em homenagem ao grande jornalista que você é!
*Miguel Arcanjo Prado é jornalista, não suporta gente que não tenta rever seus preconceitos e acredita que as pessoas são muito mais, ou menos, do que vestem.
ótimo!
adorei sua colluna mig, cobertissimo de razao.
beijim
bruna
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