sábado, 6 de novembro de 2010

Filha de nordestinos que ama o Brasil sem fronteiras



Por Adriana Macedo*

Nasci em São Paulo, como milhões de paulistanos, apenas pelo fato de meus pais, trabalhadores rurais no sertão cearence, não encontrarem naquela época condições mínimas de trabalho e renda para manterem suas famílias com dignidade.
Para cá vieram ainda na década de 60, mais precisamente em 1968, pleno ano da ditadura pesada, do AI-5.

Lembro de que minha casa era sempre cheia de parentes. Quem já tinha casa recebia os outros, até que esses se estabilizassem e pudessem garantir o seu teto. Eram tempos difíceis, mas de muita solidariedade e muito, muito trabalho.

Meu pai aqui aprendeu o ofício de marceneiro, no qual trabalhou durante toda a sua vida. Levou marmita, pegou ônibus lotado, acordou às 5h da manhã, respirou muito pó de serragem e ouviu muito barulho alto de máquina, durante 30 anos de trabalho.

Me recordo com muito carinho da rotina diária de minha mãe, olhando-o descer do ônibus às 18h em ponto e indo colocar sua janta na mesa, para assim que ele entrasse, a comidinha estivesse lá, quentinha, para quem vinha faminto de um dia inteiro de trabalho pesado. Aquela comida simples tinha gosto de amor, de afeto, de cuidado...

E foi nessa luta, que Francisco mandou os três filhos para a faculdade (dois deles para a faculdade pública), o que sempre foi sua grande meta de vida.

Lá no bairro da Freguesia do Ó, eu nunca tinha sentido o preconceito, pois a grande maioria era formada por nordestinos, ou imigrantes mineiros, nortistas. Mas, conforme fui crescendo e adentrando a outras regiões da cidade, ouvi muitas barbaridades, muitas agressões, muitas discriminações que não entendia e com as quais me revoltava. Já briguei muito defendendo os nordestinos, quem me conhece sabe como eu era mais combativa, revoltada e até agressiva.

Hoje, vejo esses atos fascistas, xenofóbicos, preconceituosos e criminosos (divulgados no Twitter contra os nordestinos, em virtude da vitória da candidata Dilma Rousseff para presidente), vindo de pessoas jovens, que têm formação e informação, e me dá uma profunda tristeza, uma sensação de que não estamos evoluindo enquanto nação, enquanto cidadãos, enquanto seres humanos.

Que tipo de valores esses jovens estão recebendo em casa para disseminar tanto ódio gratuito, tanta barbaridade, tanta violência?

Eu sempre defendi um Brasil sem fronteiras, um mundo sem fronteiras. As cidades, estados, regiões, países são apenas divisões políticas e administrativas, a Terra é inteira, única, completa.

Ao mesmo tempo, amo e admiro as diferenças. Que lindo país temos, com tantas culturas, tantos sotaques, como adoro o "oxente" baiano, o sotaque cheio de “s” do carioca, os “uais” mineiros... Aliás, também repugno essa rixa estúpida entre paulistas e cariocas. Sou paulistana e amo o Rio de Janeiro.

Como é gostoso viajar e ouvir diferentes formas de pronúncia, comer comidas diferentes. Como aprendemos como viviam os europeus quando vamos ao sul, e as culturas africanas na Bahia. E a variedade de cores de pele, olhos, cabelos, como é rico e belo.

Que triste seria se todos tivéssemos a mesma aparência, o mesmo sotaque, o mesmo modo de pensar... Seríamos como robôs, cópias clonadas, máquinas. Viva a diferença! E é respeitando as diferenças que percebemos que, na essência, somos todos realmente iguais!

*Adriana Macedo é jornalista.

Um comentário:

Anônimo disse...

Chega a ser contraditório esse tipo de manifestação contra os nordestinos. A impressão que dá é que a gente do Sul e Sudeste os vê como um quisto a ser estirpado. Contudo, isso pode ser explicado pela própria formação do Brasil como nação. Nos construímos tendo como base a exclusão. Negros, pobres, índios... ficaram de fora. O que essas pessoas não conseguem suportar é a ameaça que um povo de posse de sua cidadania pode fazer. Sentem-se de alguma forma ameaçadas de perder não sei o quê. Afinal, que ameaça a igualdade entre as pessoas poderia representar? Menos fome, menos crimes, mais gente na escola...Que pena o Brasil ser um país que ainda não se conhece. E nem se aceita.KLEBER.