sexta-feira, 26 de março de 2010

Tietagem no Festival de Curitiba

Como repórter do jornalismo cultural, tenho pavor de quem sai por aí dando faniquito e tirando foto com celebridade. Mas há exceções. No dia em que você entrevista um artista de verdade, como é Paulo José, não há Arcanjo que resista ao clique feito pelo parceiro Daniel Sorrentino, que comanda a fotografia do Festival de Curitiba. Leia também a entrevista que fiz com Paulo José e a filha dele Ana Kutner.

Festival de Curitiba 2010 - Dois destaques

Pelo terceiro ano consecutivo, cubro o maior evento teatral do Brasil, o Festival de Curitiba. É bom voltar à cidade, reencontrar amigos e conhecer novas turmas do teatro. Vou abrir com duas peças que vi e gostei. Veja, abaixo, por quê:



Nosso Estranho Amor
O quarto texto do dramaturgo mineiro João Valadares mostra que ele tem uma carreira grande pela frente. Sob ótima direção de Claudio Dias, João e Fabiana Loyola contam a história de um amor pouco convencional, mas nem por isso menos apaixonante. Apesar de os dois atores ainda deixarem transparecer a pouca experiência, isso não prejudica a interpretação e o encantamento que o texto provoca. O ponto alto da peça é a primeira cena de sexo do casal, coreografada para deixar o público de boca aberta. Diria que é uma das mais belas e poéticas cenas de sexo que já vi no teatro brasileiro. A trilha sonora executada ao vivo pelo violino de Luiza Anastácio e o violão de André Milagres, com canções de Caetano Veloso, também merece destaque.



Ghetto
O ator judeu Fábio Herford homenageia a história de sua família e de seu povo em uma peça sob direção abençoada do sempre talentoso Elias Andreato. No palco, vive um judeu polonês, último sobrevivente do gueto de Varsóvia, que conversa com Deus antes que a morte chegue. Mesmo diante do horror nazista, o personagem não perde sua fé, talvez o único sentimento que o aproxime da condição humana extirpada de seu povo pelo regime de Hitler. Ponto alto: a trilha sonora tocante executada ao piano pelo próprio ator. Também merece destaque os sapatos do cenário que representam os que foram aniquilados.

Foto Nosso Estranho Amor: Ernesto Vasconcelos/Clix/Divulgação
Foto Ghetto: Kelly Knevels/Clix/Divulgação

domingo, 7 de março de 2010

Coluna do Miguel Arcanjo nº 164

Como são bons os clássicos



Por Miguel Arcanjo Prado*


Toninho, meu professor de literatura no ensino médio na Escola Estadual Santos Dumont, em Belo Horizonte, costumava dizer, cheio de razão e pompa, que deveríamos gastar nossa adolescência lendo os clássicos. Assim, não faríamos feio na vida. Jamais duvidei dele.

Desde que aprendi a ler, e isso foi, se não me engano, aos cinco anos, ensinado por Nina, minha mãe formada no magistério, os livros me acompanham. Lembro-me que, na primeira série primária, na Escola Estadual Geraldina Ana Gomes, era sempre uma festa quando a “tia” Ana Cardoso levava a turma para visitar a biblioteca gerida por “tia” Vera.

Era um mundo para se perder e não mais se encontrar. Gastava vários minutos entre as estantes baixinhas para escolher qual seria o livro que tomaria emprestado naquela semana. E, ao chegar em casa, era uma festa. Lia e relia as histórias para minha mãe – que fazia questão de incentivar esses momentos – e para meus dois irmãos, Rafael e Gabriel, mais novos três e cinco anos, respectivamente. De alguns livros, até fazíamos pequenas e inesquecíveis montagens teatrais.

O tempo foi passando e jamais consegui me desvencilhar das bibliotecas. Na oitava série, causei espanto da bibliotecária, quando esta percebeu, lá para outubro, que minha ficha anual já continha 61 livros emprestados. Diante daquele absurdo no qual custou acreditar ser verdade, já acostumada ao comportamento mediano dos alunos da rede pública, logo me tornei uma espécie de “filho postiço” da mesma. Tratava-me com muito carinho, sempre me informando em primeira mão as novas aquisições. Seus olhos brilhavam a cada empréstimo feito.

Jorge, Zélia, Graciliano, Leminski, Guimarães, Dostoievski, Rachel, Agatha, Machado, Lima... Eles jamais me impediram de aprender a andar de bicicleta, brincar de rouba bandeira ou queimada na rua nem de descer a avenida Salamanca de patins, para desespero de minha mãe. Tampouco de ver a Xuxa tomar seu rico café da manhã ou acompanhar as histórias do Rá-Tim-Bum. Muito pelo contrário, os livros fizeram minha visão de tudo isso ser bem mais interessante.

Em São Paulo, onde vivo há três anos, uma das minhas primeiras providências foi me matricular no sistema de bibliotecas públicas municipais. Coisa da qual me orgulho é ter o tal cartão bem preenchido.

No último sábado, tive uma surpresa grandiosa: ao chegar na casa de minha amiga Gabriela Quintela, fui surpreendido com os dois tomos novinhos de “Crime & Castigo”. Sabedora da minha tristeza e vergonha confessada por ainda não ter lido o tal clássico, ela resolveu comprá-lo numa banca e me presentear. Ainda sob emoção, disse a ela, sem sombra de dúvida: “Você me deu um dos melhores presentes que alguém poderia me dar”.

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Esta semana foi de melancolia nos palcos. Na última sexta, foi dia de, mais uma vez ao lado de Gabriela Quintela, ver Ney Matogrosso cantar como ninguém o amor em “Beijo Bandido”, no Citibank Hall, em São Paulo. Um dia antes, tinha sido a vez da grande Norma Bengell subir ao palco do teatro SESC Ipiranga, também em São Paulo, para estrear o difícil espetáculo “Dias Felizes”, de Samuel Beckett, sob direção de Emílio di Biasi, que começou carreira ao lado da mesma Norma, em 1968, dirigindo a lendária peça “Cordélia Brasil”, também primeiro texto de Antônio Bivar. Falei com os três.

Norma me disse que havia “fica muito nervosa” com a estreia, mas que estava feliz. Sua frustração era só não poder ver o espetáculo, o que ela considera “uma pena”. Ela disse conseguir ver “otimismo e alegria, dentro do possível” na personagem que se esvai aos poucos. Perguntei a Biasi o porquê de uma peça tão pesada neste momento na vida de Norma. Resoluto, me disse que não queria “Norma fazendo uma comediazinha”, mas algo grande, um Beckett.

Ao lado, o sábio Bivar entrou na conversa, acompanhada o tempo todo com afinco pela atrevida e querida mestre do jornalismo cultural Telé Cardim, e resumiu tudo citando o grande Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta: “Para as senhorinhas burguesas, Beckett é mais pesado do que vatapá para recém nascido”.

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e, por imposição do destino, acaba de comprar o livro “Madame Bovary”, obra que pretende terminar de ler nos próximos dias.