domingo, 6 de novembro de 2011

Coluna do Miguel Arcanjo nº 179



Na confusão da USP, todos estão errados

Por Miguel Arcanjo Prado*

Três estudantes fumam maconha no campus da USP. Policias da patrulha incorporam o Capitão Nascimento. Bora todo mundo para a delegacia. Está gerada a grande confusão.

A polêmica na Universidade de São Paulo que toma os noticiários não é tão simples quanto se pinta. De um lado, estudantes são manipulados por partidos que nem sabem o que querem. Do outro, a direita careta aproveita a situação para demonizar o pensamento político progressista.

Está tudo errado, é a única conclusão à qual posso chegar.

Tudo isso me faz lembrar uma manifestação da qual participei em meu primeiro ano de campus, na UFMG, a Universidade Federal de Minas Gerais, onde estudei Geografia e, depois, Comunicação Social.

Mal havia começado as aulas, e professores, alunos e funcionários, entraram em uma greve que durou todo um semestre. Todos contra o sucateamento do ensino universitário capitaneado pelo governo Fernando Henrique Cardoso. E estavam certos. Afinal, tinha aula de filosofia na mesma cadeira em que o escritor Guimarães Rosa havia se sentado. Era charmoso, mas estava mesmo tudo caindo aos pedaços.

Uma assembleia democrática decidiu que marcharíamos nas duas avenidas que circundam o campus Pampulha, de forma pacífica e com cartazes que diziam “Fora FHC e o FMI”. Aos 18 anos, e ainda começando a vida univesitária na Fafich, a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, decidi, com meu primo e colega de turma Guilherme de Araújo, seguir a passeata.

Qual não foi nossa surpresa quando, logo que viramos a esquina, vimos surgir um ônibus cheio de policias militares, que saíram jogando bombas de gás em todos nós. Logo, começaram a descer o pau na estudantada. Em pleno 2001. Em plena tarde de uma das principais avenidas de Belo Horizonte.

Sem resistência estudantil, policiais covardes escolhiam os mais fracos para ver o poder de seus cassetetes. Uma aluna de letras teve o braço quebrado.

Assustados, corremos de volta para o campus e fechamos o portão. A polícia, rangendo os dentes, ficou do lado de fora. Eles ainda não tinham a permissão de entrar ali. Quando as câmeras da Globo chegaram, os policias já haviam milagrosamente desaparecido.

Há um ódio histórico entre estudante e polícia. Afinal de contas, não é tão simples esquecer que, há pouco tempo, policiais invadiam salas de aulas e centros acadêmicos para levar alunos para a tortura nos porões da ditadura.

E policiais também não suportam os estudantes, que consideram filhinhos de papais privilegiados em poder estudar às custas do Estado, enquanto eles colocam suas vidas em risco para pegar bandidos em troco do salário medíocre que este mesmo Estado lhes paga.

E é dessa dicotomia que vem o confronto. O policial patrulheiro que passa as madrugadas na USP, no fundo, odeia o estudante que está por ali fumando maconha, para desanuviar a cabeça depois de uma tarde de estudos filosóficos. Por isso o prende, numa forma de demonstração de poder. E isso faz com que aquele estudante o odeie por usar o poder da Lei de uma forma tão bruta, injustificada e vingativa.

Estudante este que, por estar numa universidade pública – prova de sua reconhecida capacidade intelectual – se acha melhor que os demais. Favelados não fazem protestos pelo direito de fumar maconha. Ou, se fazem, ninguém escuta.

Mas penso que seria simples por demais embarcar no que faz a grande mídia e classificar os alunos que tomam o prédio da Reitoria da USP como “filhinhos de papai baderneiros”. E sair defendendo o cumprimento cego da Lei como uma Dona Carochinha viciada no Programa Silvio Santos e que reverbera o pensamento de extrema direita sem nem se dar conta. Mas não seria o correto, porque, afinal de contas, na confusão da USP, todos estão errados: universidade, policiais, estudantes e sociedade. Todos são por demais hipócritas e donos, cada um, de sua tão conveniente verdade.

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e adora a inocência da letra da canção Povo Comum Pensar, do Olodum.

Foto de Rodrigo Paiva, do UOL

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